sábado, 31 de outubro de 2009

POLÍTICA BRASILEIRA DE REFORMA AGRÁRIA

CONTEXTUALIZAÇÃO DA POLÍTICA BRASILEIRA DE REFORMA AGRÁRIA[1]

Autora: Teresa Cristina Coelho Matos
Mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí - UFPI





A demanda por reforma agrária no Brasil tem como antecedente o processo de colonização do território brasileiro pelos portugueses, no século XVI, através da criação de grandes unidades de produção, as sesmarias[2], doadas a grupos pertencentes à nobreza com plenos poderes para dispor sobre seu uso e destinação. Esse foi um modelo de ocupação que produziu a condição desigual de posse e uso da terra no país que perdura até hoje e, com ela, deu-se o surgimento da questão agrária, agravada ao longo da história pela implantação do sistema capitalista de produção que, como destaca Thurow (1997), tem como fundamento a ideologia de produção social e propriedade privada, de estímulo ao lucro crescente do capital e da sua posse, com efeitos negativos na sociedade: desigualdades, desemprego e exclusões.

O início do debate sobre a questão do uso e ocupação da terra na sociedade brasileira só se inicia a partir de 1850, por elites agrárias e grupos abolicionistas, quando começaram a surgir dificuldades para a continuidade da exploração agrícola, destinada à exportação, através do uso da mão-de-obra escrava, então em processo de eliminação em decorrência dos movimentos de extinção do regime escravista, em nível internacional (MEDEIROS, 2003). Vale ressaltar que até a metade dos anos de 1950 a intervenção do Estado no meio rural não foi significativa, no sentido de gerar políticas públicas desencadeadoras de um processo de reforma agrária, limitando-se a incentivar a criação de projetos de colonização nas áreas de fronteiras e a formação de cinturões verdes no entorno das grandes cidades. Como aparato institucional, constituíram-se a Comissão Nacional de Política Agrária e o Serviço Social Rural, organismos cuja atuação não produziu mudança na estrutura fundiária existente nem na condição de subordinação dos trabalhadores do campo aos grandes proprietários (CAMARGO, 1981, apud MEDEIROS, 2003).

Somente no início da década de 1960 é que o Estado brasileiro toma iniciativas mais concretas para o enfretamento da questão agrária, em conseqüência da mobilização e organização da população do campo, que resultou no surgimento das Ligas Católicas e do sindicalismo rural, em 1961. Atuaram como instrumentos importantes no enfretamento às ameaças de expulsão da terra pelos latifundiários e como pressão popular à classe política dirigente para a formulação e implementação de uma política de reforma agrária (SAMPAIO, 2003).

Como destaca Plínio de Arruda Sampaio, a política de reforma agrária deve ser compreendida como uma decisão do Estado para solucionar essa questão agrária que dificulta o desenvolvimento do País. Nesse sentido, a situação do campo exigia respostas do Estado, que foram dadas, inicialmente, através da criação da Superintendência de Política Agrária (SUPRA), em 1962, e da sanção do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, que incluía o trabalho do campo na legislação trabalhista. Posteriormente, em 1964, foram criados o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA), cuja fusão, em 1970, resultou no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a quem compete, desde então, a execução da referida política.

Ressalte-se que, nesse mesmo período, também foi aprovado o Estatuto da Terra, em 1964, estabelecendo a desapropriação de terras por interesse social. A Lei entrou em vigor durante a implantação do regime militar (1964-1984) porque se viu o governo obrigado a incluir a reforma agrária na sua agenda, uma demanda socialmente imposta e não ignorável, ainda que politicamente inconveniente para o regime (PALMEIRA e LEITE, 1997).

Mas, durante o regime militar, a prioridade do governo foi para a modernização da agricultura, “fundada no apoio à modernização tecnológica das grandes propriedades, com incentivos fiscais e crédito farto e barato” (DELGADO, 1985, apud MEDEIROS, 2003, p. 25), optando-se por implantar uma política agrícola[3], voltada para a modernização do latifúndio e apresentada como “modernização agrícola”, que teve lugar central na estratégia de desenvolvimento do regime militar (LEITE, et al, 2004), orientado pelos marcos do capitalismo industrial e de sua reprodução no meio rural. Desconsiderou-se a urgência social de implementação de uma política agrária destinada a alterar a estrutura de concentração fundiária, visando à democratização do acesso a terra e assentada na concepção assinalada por Nelson Delgado, de que

[...] a propriedade e a posse da terra [...] são fatores especiais que condicionam a estrutura da produção agrícola, as condições de reprodução de grupos sociais distintos e as relações de poder no campo, e determinam a distribuição da riqueza e da renda entre os diferentes tipos de agricultores que coexistem no meio rural (DELGADO, 1998, p. 17).

Em detrimento da reforma agrária, o processo de modernização da agricultura, apesar de ter elevado a produção e a produtividade agrícola pela tecnificação, resultou na elevação da concentração da posse e uso da terra pela formação das fazendas capitalistas e trouxe graves efeitos sobre o meio ambiente, acentuando o quadro de exclusão e de piora da vida da população rural pelo aumento na disparidade de renda, degradação dos recursos naturais, exploração da força de trabalho e aumento do êxodo rural (PALMEIRA e LEITE, 1997). Em reação a isso, as forças populares intensificaram suas lutas pela reforma agrária, especialmente a partir de 1985, com o fim do governo militar e início da Nova Republica, quando se configura, no país, um ambiente de restabelecimento da democracia. O debate sobre a reforma agrária retorna à agenda política sob forte pressão de vários movimentos sociais, particularmente da Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e do recém-criado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

No início do governo da Nova República, é criado o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD) e apresentado o I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), por meio do Decreto 90.766, de 10/10/1985. Elaborado com a participação de representantes das organizações dos trabalhadores rurais e de entidades a elas ligadas, o I PNRA anunciava a reforma agrária como programa prioritário do governo, a desapropriação por interesse social como principal instrumento e a implantação de assentamentos como programa básico, atribuindo caráter complementar para as ações de regularização fundiária, colonização e tributação, até então prevalecentes (MEDEIROS, 2003).

As estratégias e metas estabelecidas no I PNRA não alcançaram, porém, os resultados propostos, principalmente pela reação dos donos de terra, que formaram uma frente de resistência e de defesa do direito de propriedade, através do uso da força, institucionalmente representada pela União Democrática Ruralista (UDR), criada logo após o anúncio do Plano. Os interesses das elites agrárias suplantaram as forças pró-reforma e o governo da Nova República não conseguiu transformar as propostas do PNRA em ações concretas (MEDEIROS, 1998).

As condições políticas favoráveis para a retomada do projeto de reforma agrária defendido pelos movimentos sociais do campo só são restabelecidas com a realização da Assembléia Nacional Constituinte, ocorrida nos anos de 1987 e 1988. Nessa conjuntura, as organizações sociais ligadas ao campo e representativas dos trabalhadores rurais promovem a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, visando introduzir na Constituição Federal medidas que pudessem garantir a sua ampla realização (MEDEIROS 2003).

A análise de Medeiros (1998, 2003) indica que durante a Constituinte as elites rurais, através da UDR, incluíram na nova Constituição mecanismo para inviabilizar a realização da reforma agrária pretendida pelos trabalhadores rurais, e estes, mesmo articulados em torno da Campanha Nacional pela Reforma Agrária, não viram suas demandas contempladas. Na verdade, apesar de apresentar como um de seus princípios que a propriedade deve atender a sua função social (art.5º, XXIII; 170, III), consagra também que “terras produtivas” são insuscetíveis de desapropriação (art. 185, II), criando, com esse inscrito, um grande obstáculo para a realização da reforma agrária.

Ausente da agenda do Estado durante o governo de Fernando Collor (1990 a 1992), o tema reforma agrária só retorna no de Itamar Franco (1992 a 1994), quando é lançado o Plano Emergencial de Reforma Agrária, prevendo o assentamento de oitenta mil famílias, e se procede à regulamentação dos dispositivos constitucionais necessários para a intervenção na questão agrária: a Lei n° 8.629/93, conhecida como Lei Agrária, e a promulgação da Lei Complementar n° 76/93, que estabelece o rito processual sumário de desapropriação de imóvel rural por interesse social. De acordo com Medeiros (2003), o governo de Itamar Franco retoma o liame com os demandantes por terra e a instalação de assentamentos rurais, mas sob a lógica de desapropriação das áreas de conflito, para eliminar focos de tensão social, e não de priorização de áreas de intervenção fundiária, como previa o I PNRA, além de lidar com um ambiente institucional marcado por uma burocracia centralizadora, submetida à pressão dos grandes proprietários e pouco afeita ao diálogo com os trabalhadores rurais, resultando numa custosa consolidação das intervenções do Estado na questão agrária.

Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, sinalizando para a sociedade a intenção de promover a reforma agrária, a questão fundiária é desvinculada do Ministério da Agricultura com a criação, em 1996, do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, que corresponde atualmente ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Entretanto, durante os dois mandatos consecutivos de FHC (1995 a 2003), a reforma agrária não teve destaque no debate político, já que a prioridade do governo foi empreender a reforma do Estado, que se havia iniciado no governo de Collor, por imposição dos grandes capitais estrangeiros. Isso consistia, grosso modo, na adaptação do Estado às condições do capitalismo contemporâneo, caracterizado pela mundialização da economia[4], seguindo a ideologia neoliberal[5] de diminuição do Estado e valorização do mercado pela via das privatizações e da terceirização dos serviços públicos (NOGUEIRA, 2005).

Estudos demonstram que, nessa conjuntura, a reforma agrária foi substituída por um programa de assentamentos rurais, criados em quantidade inferior à demanda por terra, especialmente para atenuar conflitos onde a ordem social pudesse ser ameaçada, sem maior empenho no sentido de alterar, de forma efetiva, a estrutura fundiária do Brasil (MEDEIROS, 1998; LEITE, 1999; SAMPAIO, 2003). Em 2003, assume o governo brasileiro Luis Inácio Lula da Silva, também reeleito para um segundo mandato, iniciado em janeiro de 2007, ocorrendo, na gestão de Lula, dito de base popular democrática, o retorno da possibilidade de realização de uma reforma agrária ampla, nos moldes defendidos pelo movimento dos trabalhadores rurais e por seus aliados políticos.

Conforme destaca Horácio Martins de Carvalho, a expectativa do conjunto dos atores sociais do campo “era de que a reforma agrária estaria no centro da agenda política, como uma forma de gerar empregos, de garantia da soberania alimentar e como base de um novo modelo de desenvolvimento” (CARVALHO, 2005, p. 204). Coerente com tal expectativa, em novembro de 2003 o MDA lançou o II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), tendo o INCRA como principal órgão executor.

O PNRA foi apresentado para a sociedade durante a Conferência da Terra, em Brasília, como pilar do projeto de desenvolvimento econômico e social do país e previa, além do acesso a terra, a implementação de ações voltadas para a produção, geração de renda e garantia dos direitos fundamentais de saúde, educação, energia e saneamento. Dentre suas diretrizes está a implantação de um novo modelo de assentamento, baseado no conceito de desenvolvimento territorial, na viabilidade econômica e na sustentabilidade ambiental, bem como uma adequação institucional e normativa para uma intervenção rápida e eficiente dos instrumentos agrários, reconhecendo a necessidade de elaborar um novo marco jurídico institucional e de modificar normas jurídicas e administrativas para a concretização dos objetivos propostos no Plano (MDA, 2003).

Estudos, no entanto, indicam que a direção macroeconômica seguida pelo governo Lula obstou as diretrizes estabelecidas no PNRA e contrariou as expectativas dos atores sociais do campo, em virtude de adotar os mesmos parâmetros de adaptação ao capitalismo mundial utilizados pelos governos anteriores, alinhados ao projeto neoliberal hegemônico dos anos de 1990 que, como assinala Berring (2003), corroeu as possibilidades de intervenção estruturantes do Estado brasileiro para a realização de um projeto de desenvolvimento nacional mais autônomo e democrático. As análises apontam que a opção por essa política macroeconômica trouxe fortes obstáculos para o relançamento de um novo modelo de reforma agrária como expresso no PNRA, integrando intervenção fundiária com políticas de desenvolvimento, para realizar um projeto de sociedade de interesse geral.

Segundo Guilherme Delgado, um desses obstáculos é a força e o poder da agricultura capitalista atual, o agronegócio, definido como “uma associação do grande capital industrial com a grande propriedade fundiária” (DELGADO, 2005, p. 47), que opera aliada ao capitalismo global, dentro da estratégia de obtenção de lucro e renda da terra subvencionada pelo Estado, sem levar em conta os impactos negativos causados ao meio ambiente e à vida humana. Aliás, pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2007) destaca que, para os movimentos dos trabalhadores rurais, avultam as medidas governamentais de interesse do agronegócio, que comprometem a qualidade do meio ambiente, como por exemplo as voltadas para a área de biosegurança e sementes transgênicas, pois estimulam o uso de técnicas de produção que fragilizam os ecossistemas e causam desgastes na natureza, contrapondo-se com o compromisso da sustentabilidade ambiental presente na concepção de reforma agrária defendida pelos atores sociais rurais, vinculada a um projeto maior de desenvolvimento da sociedade, orientado pelo conceito de sustentabilidade, que implica alcançar as condições de segurança da humanidade sem degradar a natureza, e guiado pela concepção de interdependência entre as diversas dimensões da sociedade: política, econômica, social, ambiental, cultural e espiritual (UNESCO, 1999; BOFF, 1999, 2002; SACHS, 2002).

Mesmo com todos os reveses, há constatações de que as intervenções do Estado na questão agrária geraram resultados considerados positivos, sobretudo devido às fortes pressões dos movimentos organizados do campo que, atuando na perspectiva apontada por Ana Maria Ghon, seguem “uma agenda emancipatória de resistência à exclusão e de luta pela inclusão social” (GHON, 2003, p.13) e expressam suas demandas por formas de embate que se mostraram eficazes, como as ocupações coletivas e públicas de terra. A política de assentamentos rurais adotada, apesar de não ser considerada como um profundo processo de reforma agrária, implicou alguma redistribuição fundiária e produziu uma significativa melhoria nas condições de vida das famílias assentadas (LEITE, et al, 2004).

Os dados da pesquisa do Ipea (2007) também dão a mesma indicação. A conclusão dos pesquisadores é que mesmo com as dificuldades, a quantidade de famílias com acesso a terra e que nela permanecem é relevante, e os assentamentos que tiveram avanço em termos de estruturação produtiva contribuem para aumentar o nível de renda das famílias e para a promoção da melhoria da sua condição de vida, com reflexos positivos no desenvolvimento econômico e social do país. Contudo, a referida pesquisa constata que tais avanços não são suficientes para retirar a reforma agrária “tão cedo” da agenda política brasileira, haja vista que, ainda aparecendo como prioridade governamental, nas duas últimas décadas as ações implementadas estão centradas no cumprimento de metas quantitativas de assentamentos, sem grandes efeitos qualitativos e sem alterar de forma substantiva a concentração fundiária do país.
Ressalte-se que, a alteração da estrutura fundiária do país e a qualidade das ações da política de reforma agrária são condições imprescindíveis para o enfretamento da questão agrária brasileira, na forma como se apresenta hoje[6], revestida de maior complexidade, na atualidade, diante de uma conjuntura de agravamento da problemática ambiental que, como observa Giuliani (2000), é caracterizada pela degradação da natureza e pelas catástrofes sociais que gera decorrente, em grande medida, do sistema capitalista contemporâneo, marcado pelo fenômeno da globalização[7], que não tem tido capacidade para manter suas formas e ritmos de crescimento sem destruir as próprias condições de sua reprodução.

Dentro desse contexto, identifica-se a influência dos processos globalizados na realidade do campo brasileiro, inicialmente pela “modernização” da produção agrícola do Brasil, na década de 1980, implantado como ação estatal planejada e intencional, através da adoção de um modelo produtivo baseada no sistema de monocultura em grandes unidades produtivas, com o uso intensivo de máquinas pesadas, adubos e defensivos químicos (PALMEIRA e LEITE, 1997). Isso evoluiu para a agricultura capitalista do agronegócio de hoje, voltada principalmente para a exportação em larga escala, em atendimento a essa nova ordem capitalista de dimensão global que submete a população em geral e a população camponesa, em particular, a condições de vulnerabilidade socioeconômica preocupantes.

Estudos indicam que a agricultura capitalista gera impactos sociais e ambientais no campo brasileiro, resultando, no primeiro caso, na expulsão de camponeses(as) para as cidades e na criação de um grande contingente de sub-empregados(as) e desempregados(as): aqueles que lá permanecem ficam em geral submetidos a trabalhos degradantes ou mesmo a sua falta. No segundo caso, produziu a degradação da natureza e dos ecossistemas por causar erosão dos solos, poluição das reservas de água subterrânea e dos rios, devido à utilização das práticas altamente tecnicizadas e em grande escala, sem qualquer preocupação com o meio ambiente (MEDEIROS, 2003).

A discussão sobre reforma agrária enfocando a dimensão ambiental tem destaque na sociedade brasileira no início da década de 1990, quando o Brasil sedia a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Nesse evento, vários movimentos ambientalistas brasileiros, grupos da sociedade civil, pequenos agricultores e agricultoras sem-terra firmam posição em favor da adoção do modelo de desenvolvimento sustentável na agricultura, definido como uma política de inclusão social e de gestão de recursos naturais, apresentada como premissa para fundamentar uma nova agenda norteadora da atuação do Estado na elaboração de políticas de desenvolvimento rural, com a proposição que a dimensão ambiental passasse a ser parte integrante das políticas públicas.

Um resultado importante desta Conferência foi a elaboração, entre os anos de 1999 a 2001, da “Agenda 21”[8] brasileira, com o objetivo de definir o modelo de desenvolvimento sustentável do país, compreendendo cinco dimensões: ambiental, social, econômica, político-institucional e informação e conhecimento. Nela, estão indicadas as estratégias de competência do Estado para a construção da sustentabilidade brasileira, como a integração entre desenvolvimento e meio ambiente, a realização da reforma agrária para a redução da concentração fundiária rural e a geração de renda e condições dignas de vida (AGENDA 21, 2002).

Mais recentemente, em 2006, deu-se, em Porto Alegre (RS), a II Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural (CIRADR), uma iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) e do governo brasileiro, com o objetivo de examinar a reforma agrária e as questões de desenvolvimento rural no mundo e identificar opções de desenvolvimento sustentável. Nessa conferência, a FAO apresentou dado segundo o qual cerca de novecentos milhões de pessoas, ou três quartos da população pobre mundial vivem em áreas rurais, dependendo do acesso a terra e de outros recursos naturais para a subsistência. Os temas relevantes, num contexto mundial, foram o acesso à terra pelos pobres e a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, visando analisar experiências de diferentes países, a fim de identificar políticas, práticas e lições que gerem um novo paradigma de desenvolvimento rural, baseados em inclusão social, sustentabilidade ambiental e garantia de sustento aos pobres (CIRADR, 2005).

Porquanto, a participação nesses fóruns de debate é relevantes, mas não suficiente para que o governo brasileiro promova a reforma agrária na perspectiva da sociedade, orientada pelos princípios da democratização do acesso à terra, viabilidade econômica e equilíbrio ambiental. Avanços nesse sentido dependem essencialmente da sensibilização de todos os atores sociais, sendo fundamental que, além da forma de pensar, ocorra mudança no modo de agir de gestores, técnicos e assessores dos organismos do Estado, das organizações econômicas e da sociedade civil.



REFERÊNCIAS


AGENDA 21 Brasileira – Resultado da Consulta Nacional / Por Maria do Carmo de Lima Bezerra, Márcia Maria Facchina e Otto Toledo Ribas, Brasília, MMA/PNUD 2002.

BEHRING, Elaine Rosseti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

______. Um ethos para salvar a terra. In: CAMARGO; CAPOBIANCO J. P. R. OLIVEIRA, J. A. P. (org.). Meio Ambiente Brasil. Avanços e Obstáculos após Rio 92. São Paulo: Estação Liberdade: Instituto Sócio Ambiental. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 49-56.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. , Brasília: Gráfica do Senado Federal, 1988.

______. Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Programa Emergencial de Reforma Agrária, Brasília, 1993.

_______. Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. Programa Novo Mundo Rural, Brasília, 1999.
_______, Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA. II Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, 2003. 38 p.

CARVALHO, Horácio Martins de. O campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.

CARDOSO JR, J. C; JACCOUD, L. Políticas Sociais no Brasil: Organização, Abrangência e tensões da Ação Estatal. In: JACCOUD, L (org). Questão Social e Políticas Sociais no Brasil Contemporâneo. IPEA, Brasília, 2005, p. 181-259.

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. Trad. Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.


CIRADR. Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural: uma visão para o futuro. Porto Alegre - RS, Brasil. 07-10 de março de 2006. Cadernos para a Conferência, Brasília, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural – NEAD, 2005.

COSTA, Conceição de Maria Sousa Batista. De moradores/as a assentados/as: trajetórias e identidades sociais no Centro do Designo, em Miguel Alves, no Piauí. Teresina, 2006. 136p. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas). Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Piauí.

CPT Nacional Brasil. Conflitos no campo Brasil 2006. SANTOS, Maria Madalena [et al] (coord.). Goiânia : Secretaria Nacional da Comissão Pastoral da Terra - CPT, 2006.
DELGADO, Guilherme. A Questão Agrária no Brasil, 1950-2003. In: Questão Agrária no Brasil: perspectiva histórica e configuração atual. São Paulo: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, 2005.

DELGADO, Nelson Giordano. Política Econômica, Ajuste Externo e Agricultura. Rio de Janeiro: CPDA/DEBATES, n.7, 1998.

ESTATUTO DA TERRA. Lei N° 4.504, de 30 de novembro de 1964.

FIORI, José Luiz. Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise do Estado. Rio de Janeiro: Insigt 1995.

GIDDENS, Anthony. Para Além da Esquerda e da Direita. São Paulo: UNESP, 1995, p.93-171.

GIULIANI, G. M. A questão ecológica, a indústria e o capitalismo. Raízes, UFPB, v. 19, p. 9-15, 2000.

GOHN, Maria da G. Movimentos sociais no início do século XXI. Petrópolis, Vozes, 2003.

GUEDES PINTO, L. C. Reflexões sobre a política agrária brasileira no período de 1964-1994. Boletim da Associação brasileira de reforma agrária – ABRA, n° 1, 1995.

IANNI, Octávio. A idéia de Brasil moderno. São Paulo, Brasiliense, 1992.

IPEA. Boletim de Políticas Sociais n° 13. Edição Especial 2007. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 15 jun. 2007.

LEITE, Sérgio [et al] (Coord.). Impacto dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural. São Paulo: UNEP, 2004.

______. Políticas públicas e agricultura no Brasil: comentário sobre o cenário recente. In: LESBAUPIN (Org.). O desmonte da nação (balanço do governo FHC). Petrópolis: Vozes, 1999.

MEDEIROS, Lenildes Sérvolo de ______. Reforma Agrária no Brasil; história e atualidade da luta pela terra. São Paulo: Fundação Perceu Abramo, 2003.

PALMEIRA, Moacir e LEITE, Sérgio. Debates econômicos, processos sociais e lutas políticas: reflexões sobre a questão agrária. Rio de Janeiro: CPDA/DEBATES, n.1, 1997.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável / organização Paula Yone Stroh. 4ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

SAMPAIO, Plínio de Arruda. Da alienação à cidadania. In: A urgência da reforma agrária. São Paulo: Setor de Formação do MST, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização e as Ciências Sociais. São Paulo, Cortez, 2002.

SPAROVEK, Gerd. A qualidade dos assentamentos de reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas & Letras, 2003.

THUROW, Lester C. O Futuro do Capitalismo: como as forças econômicas mudam o mundo de amanhã. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

UNESCO. Educação para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas, Ed. IBAMA, Brasília, 1999.


[1] Texto base: Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas). Universidade Federal do Piauí. Gestão integrada de políticas públicas: reforma agrária e equilíbrio ambiental – uma sinergia possível?/Teresa Cristina Coelho Matos. Teresina, 2008.
[2] Medida agrária igual a 6.000 metros, usada pela Coroa Portuguesa para doar grandes extensões de terras do território brasileiro, ficando o beneficiário na obrigação de cultivá-la por três anos, sob pena de revogação da doação. Esse sistema foi extinto em 1882.
[3] De acordo com Nelson Delgado, a política agrícola é um tipo de política econômica setorial que “condiciona e regulariza as relações de preços de produtos e de fatores (terra/recursos naturais, mão-de-obra, meios técnicos e financeiros de produção, etc.), as condições de comercialização e de financiamento, os incentivos e subsídios fiscais concedidos, o padrão tecnológico adotado, e influencia decisivamente o próprio grau de integração intersetorial (com a indústria e o setor de serviços, por exemplo) e de internacionalização da agricultura” (DELGADO, 1998, p. 17).
[4] Trata-se da reprodução do capitalismo em escala mundial pela qual “a dinâmica do capital, sob todas as suas formas, rompe ou ultrapassa fronteiras geográficas, regimes políticos, culturas e civilizações” (IANNI, 1992, p.48).
[5] Doutrina desenvolvida, a partir da década de 1970, para adaptação do liberalismo clássico às exigências de restrição ao Estado interventor e assistencialista na economia, devendo exercer controle do funcionamento do mercado em grau mínimo e apenas em setores considerados imprescindíveis.
[6]No contexto atual, a questão agrária, no Brasil e no Piauí, vem configurando-se pela existência de conflitos no campo formados por ações de resistência e enfrentamento da população rural, envolvendo, além da luta por terra, o embate por água, meios de trabalho ou produção e por direitos sociais. Caracteriza-se, ainda, pela persistência da concentração fundiária, associada ao agravamento das condições ambientais e de vida da população do campo, submetida a precárias situações de trabalho e moradia, e a vários tipos de violência, como trabalho escravo, intimidações e assassinatos e pela ausência ou má gestão de políticas públicas (CPT, 2006).

[7] Conforme se pode ver em Fiori (1995), Giddens (1995), Castelles (1999) e Santos (2002), não há um significado teórico preciso para globalização. É um conceito sempre (re)construído, porém não pairam dúvidas de que se trata de um novo formato do sistema capitalista de produção, consistindo num incessante processo de acumulação e internacionalização dos capitais, que influencia e é influenciado pelas transformações ocorridas na sociedade no campo tecnológico, do conhecimento, das organizações, da política, da cultural, do mercado e das finanças, de forma dinâmica e interligada
[8] Documento gerado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, formado por texto-chave para guiar governos e sociedade rumo ao estabelecimento de um novo modelo de desenvolvimento: sustentável.

FILOSOFIA: O QUE É DIALÉTICA - Resenha

KONDER, Leandro. O que é dialética. 5ª reimp. da 28.ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção primeiros passos, 23). p.88.

Leandro Konder, nascido em 1936, na cidade de Petrópolis – Rio de Janeiro – Brasil, Doutor em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, professor de Filosofia da Educação na PUC/Rio e autor de mais de 20 livros e ensaios, entre os tais: “Bartolomeu”, “O Futuro da Filosofia da Práxis”, “Flora Tristan”, “A poesia de Brecht e a História”, “Fourier, o Socialismo do Prazer” e outros, oportuniza-nos uma interação intelectual sobre a dialética.

Embalado sob este título “O que é dialética?”, organizado em um índice didático que percorre um diálogo sobre “Origens da Dialética”; “O Trabalho”; “A Alienação”; “A Totalidade”; “A Contradição e a Mediação”; “A ‘Fluidificação’ dos conceitos”; “As Leis da Dialética”; “O Sujeito e a História”; “O Indivíduo e a Sociedade”; e “Semente de Dragões”, Leandro Konder nos conduz a um espelhamento que nos trás à luz os polígonos teórico-ideológicos traçados sobre pontos e tangentes que tocam em Zênon de Eléa, Sócrates, Heráclito de Éfeso, Parmênides, Aristóteles, Petrus Damianus, Averróes, Abelardo, Guilherme de Ockan, Nicolau Copérnico, Galileu, Descartes, Pico de la Mirandola, Giordano Bruno, Pascal, Giambattista Vico, Leibniz, Spinoza, Hobbes, Pierre Bayle, Montaigne, Denis Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Imanuel Kant, Napoleão Bonaparte, Adam Smith, Luckács, Evald Iliênkov, Lucien Goldmann, Padre Henri Chambre, Feuerbach, Gramsci e, de modo intensamente mais destacado, em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), Friedrich Engles (1820 – 1895) e Karl Marx (1818 – 1883), especialmente porque este último acusa que os filósofos até seu tempo tinha-se prestado a um serviço limitado apenas a interpretar o mundo, carente da ação para transformá-lo. Ora esses pontos e tangentes servem para contornar desenhos ideológicos convergentes, ora para negar e antagonizar delineamentos conceituais postos, das configurações estáticas às dinâmicas, ainda que breve, mas de rica síntese. Daí que, em seu marco inicial, traduz-se a dialética como referir-se à arte do diálogo, no contexto da Grécia Antiga que, depois, veio a referir-se à “arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão”, cuja delimitação conceitual alguns atribuíra a Zênon de Eléa (490 – 430 aC), outros a Sócrates (469 – 399 aC.). Em contexto teórico moderno, dialética nos indica “o modo de pensarmos as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação”. Como nos mostra o autor, essa formação sobre a dialética se dá nos enlaces de processos de construções conceituais e na ação concreta sobre a natureza, inclusive no ser humano e na história das realidades da natureza e das realidades criadas e/ou significadas pela humanidade, apreendidas em seus acontecimentos e movimentos contínuos e dinâmicos, nas suas “imagens” e “contra-imagens”, em perspectivas planas, prismáticas e volumétricas.
Lá em Heráclito de Éfeso (540 – 480 aC.), já encontramos elementos para nutrir a discussão da dialética, a considerar sua teoria do “eterno devir” das coisas e sua idéia de que as realidades se transformam em outras. Em Parmênides, encontra-se a idéia de que a essência profunda das coisas é imutável, enquanto as mudanças operam apenas em nível da superfície. Esta compreensão metafísica ilustrada em Parmênides predominou no curso da História, sob defesa das classes dominantes das sociedades ocidentais, a fim de manter a ordem estabelecida e o conjunto de valores nutridos em seus aparelhos ideológicos vigentes. Sob as regras hegemônicas dessa mentalidade reinante, o cenário e as correlações de forças dos atores não tendem à mudança, mas à imobilidade social e à imobilidade da criatividade humana sobre o conhecimento. “Mas a dialética não desapareceu”, posto que fora nutrida no pensamento de grandes filósofos, como Aristóteles (384 – 322 aC.), que recolocara a defesa do “movimento” em processos de mudanças atuantes em alterações mecânicas e quantitativas das coisas, bem como nas modificações qualitativas ou nascimento de novas realidades, firmadas em seus conceitos de “Ato” e “Potência”, potencialidades e possibilidades nutrindo processos de transformações. Já em se tratando do contexto histórico da Idade Média Ocidental, sob monopólio da Igreja Católica, teocêntrica, teológica e fundamentalista, com a idéia de um deus criador de tudo e explicação religiosa imposta para predicar todos os acontecimentos naturais e humanos, os processos criativos sob escolha e governabilidade das operações dos seres humanos ficaram reprimidos, inclusive a produção de racionalidade filosófica; a dialética fica sufocada e é empregada como sinônimo linear de lógica e em sentido pejorativo. Daí, sujeito desse contexto, o ideólogo Petrus Damianus defende que a única coisa importante para o ser humano era salvar sua alma e que a via mais segura para isso residia em tornar-se monge, que não precisava de filosofia. Sem grandes produções de mudanças estruturais, a filosofia segue sustentada em vários filósofos, tais como Averróes, Abelardo, Guilherme de Ockam e outros, até em cursos do século XV. A partir do século XVI, uma revolução estrutural no pensamento Ocidental se processa, a considerar a revolução copernicana defendida pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473 – 1543), que trouxe em seu núcleo a tese do heliocentrismo em contestação e antagonismo radical à formulação de Ptolomeu que defendia o geocentrismo. Segue em Galileu (1564 – 1642) e Descartes (1596 – 1650) a defesa de que a condição natural dos corpos consiste no estado de movimento e não em estado de repouso. Isto encontra sintonia com a idéia de que a figura humana é um ser inacabado (Pico de la Mirandola, 1463 – 1494) e porta capacidade de dominar forças da natureza, bem como de modificar criadoramente o mundo (Giordano Bruno, 1548 – 1600). Este período histórico, conhecido como Renascimento, torna-se cenário fértil à demarcação da dialética e ao método dialético, adubado com a aceitação do caráter instável, dinâmico e contraditório da condição humana e histórica por parte de pensadores considerados conservadores, tais como Pascal (1623 – 1624) e Giambattista (1680 – 1744), em cujos séculos XVI e XVII já se verificam elementos da dialética em vários de seus pensadores, tais como aqueles revelados em Montaigne (1533 – 1592), Leibniz (1646 – 1716), Spinoza (1632 – 1677), Hobbes (1588 – 1679), Pierre Bayle (1647 – 1706) e outros. O século XVIII, com os acontecimentos históricos que desencadearam a Revolução Francesa, possibilita uma compreensão mais consistente das dinâmicas das transformações sociais e, no plano das idéias, resulta o iluminismo, com filósofos que acompanham de perto a mobilização e articulação dos atores sociais e seus objetos de buscas que dão nova configuração ao cenário. No entanto, os filósofos que esperavam a configuração de um mundo racional, grande parte de seu contingente contentara-se em observar as superfícies do processo de transformação social que via realizar-se e apoiava, desprezando a investigação e a produção da crítica sobre as contradições estruturais em fraturas ali, de modo que não nos deixaram um amplo patrimônio para a dialética, exceto a considerável contribuição de Denis Diderot (1713 – 1784), quando este expõe compreender a defesa da idéia de que o indivíduo está condicionado aos movimentos de mudanças da sociedade, do todo em devir constante em que vive, inclusive do subjugo das instituições políticas, civis e religiosas. Em semelhante linha de pensamento, Jean-Jaques Rosseau (1712 – 1778), no contexto da segunda metade do século XVIII, predicou a maior contribuição à dialética, sob a defesa de que não confiava na razão humana, mas sim na natureza, posto apreender o sentido de que o ser humano nasce livre, em condição que a natureza lhe concede a vida com liberdade, porém esta condição original é tolhida pela organização da sociedade, para cuja mediação de tal conflito defende o estabelecimento de um Contrato Social que possa assegurar-lhe a compensação da relação entre sua liberdade natural e os condicionantes da vida social. Rosseau percebeu as contradições das estruturas da sociedade e indicava que os conflitos de interesses entre os indivíduos chegaram a dimensões exageradas, bem como fazia uma leitura-de-mundo em que a propriedade estava muito mal distribuída, muito poder concentrado em poucas mãos e que o egoísmo escravizava às pessoas, todavia proclamara que os sujeitos coletivos democráticos não deviam obrigar-se à obediência de critérios formais, ao tempo que percebera que as mudanças não se faziam em processos que não fossem conflituosos. Até Imanuel Kant (1724 – 1804), considerado o maior dos pensadores metafísicos modernos, admite que “a consciência humana não se limita a registrar passivamente impressões provenientes do mundo exterior, que ela é sempre consciência de um ser que interfere ativamente na realidade”.
Em Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), filósofo alemão, a contradição é predicada como sendo um princípio básico que não pode ser suprimida nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva, mas reconhece que o sujeito humano é essencialmente ativo e está sempre interferindo na realidade admitindo, no entanto, que o ritmo e as condições das transformações operadas pelo sujeito humano é, em última análise, a realidade objetiva. Hegel estudou as atividades políticas e econômicas do sujeito humano para avaliar seus movimentos no plano concreto, incluindo estudos de Adam Smith e sobre a revolução industrial inglesa. Resulta que Hegel apreende o sentido de que o trabalho é a mola do desenvolvimento humano; que é no trabalho que o homem se produz a si mesmo. Neste filósofo, o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano. É neste lugar, subjetivo e concreto, que se movimenta a resistência do objeto e o poder do sujeito humano, a capacidade que o sujeito tem de mobilizar, com habilidade e persistência, uma superação dialética dessa resistência. Uma ilustração do salto qualitativo desse tipo de interação se efetiva quando a ação do humano alcança além da natureza-em-si, visto que esta natureza-em-si somente não resulta na fundação e expressividade humana como tal, manifesta na autonomia, significação e domínio frente a dimensões da natureza, como nos ensina o filósofo soviético Evald Iliênkov e o brasileiro José Arthur Giannotti. Para Hegel, a superação dialética consiste no movimento simultâneo de “negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um nível superior”. No entanto, sendo idealista, este filósofo subordinava os movimentos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Idéia Absoluta. Com outra cosmovisão, o pensador alemão Karl Marx (1818 – 1883), materialista, com a ajuda de Friedrich Engels (1820 – 1895), defende que o trabalho se constitui na atividade pela qual o humano domina forças naturais, humaniza a natureza e, portanto, cria a si mesmo. Porém, contesta no sentido de que Hegel só conhece e reconhece o trabalho abstrato do espírito – trabalho intelectual – enquanto que não considerava a significação do trabalho físico, material. Marx, por sua vez, caminha sob o percurso das seguintes preocupações filosóficas: 1) Em se constituindo o trabalho do humano na atividade e condição natural para alcançar sua realização como tal, como o trabalho chegou à condição de tornar-se o algoz do homem? 2) Como o trabalho chegou a ser transformado em uma atividade que é sofrimento? Em uma força que é impotência? Em uma procriação que é castração? Daí, percorre na conduta de que a divisão social do trabalho, o surgimento das classes sociais e a apropriação privada dos meios de produção por uma classe de homens exploradores em detrimento de outra classe de homens explorados, indicam a causa original dessas contradições da vida referente ao trabalho humano, em contextos típicos do sistema do capitalismo, em cuja correlação de forças os resultados do trabalho pertencem a um ente que não é o trabalhador que o construiu com sua força de trabalho convertida em mercadoria. Dessa correlação de forças “explorador versus explorado”, o humano não alcança realizar-se, libertar-se, reconhecer-se em sua criação, mas, do contrário, é alienado, ameaçado e oprimido. Para tanto, o pensamento marxista indica como solução para tal deformação, o reconhecimento da luta de classes socio-econômicas postas, a tomada de consciência sobre a natureza e finalidade dessas relações e a promoção da revolução socialista organizada pelos trabalhadores. Neste contexto teórico, a dialética concebe o mundo natural, bem como a criação do gênero humano, como sendo sistemas e cadeias de sistemas contínuos, dinâmicos, contraditórios e inacabados, onde qualquer elemento concreto ou subjetivo é sempre parte de um todo sistêmico, de tal modo que, para intervir resolutivamente sobre um problema, o sujeito humano e histórico precisa lançar sua percepção consciente sobre a síntese (que não é soma) da estrutura significativa do conjunto dos problemas que inter-relacionam-se, nutrem-se ou se negam, virtuosa ou viciosamente, sem olvidar que essas totalidades são, sempre, mais amplas do que o conhecimento que detemos sobre elas, além de que sua condição não é a da estática, da imobilidade, mas da transformação dinâmica e complexa. De modo plural, encontramos totalidades com níveis de abrangências diferentes, por exemplo: um indivíduo; um grupo social; um Estado; um país; um continente; o mundo capitalista; uma teoria; a humanidade etc, cujo critério nos exige um reconhecimento teórico dos limites de nossa observação e da experienciação social consciente em relação às totalizações e em relação aos acontecimentos que demarcam suas sínteses estruturantes, tanto no que tange às suas dimensões imediatas como às dimensões mediatas e, ainda, às suas contradições internas e externas. Por conseguinte, ressalte-se que Marx, ao contrário da dialética de Hegel, reconhece a dimensão concreta da natureza humana e não reconhece a manifestação de nenhum aspecto da realidade humana situada acima da história ou fora desta. Este caráter materialista da dialética de Marx é reforçado em Engels, que chegou a sintetizar três leis essenciais à história humana e à natureza, quais são: 1) a Lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa) das coisas e das totalidades; 2) a Lei da interpenetração dos contrários, que tudo tem a ver com tudo; tudo está entrelaçado; e 3) a Lei da negação da negação.
Na dialética marxista, o ser humano é concebido como sujeito efetivo capaz de tomar a iniciativa de mobilizar a construção da história, processo no qual a prática requer um constante reexame da teoria e a teoria se presta para criticar e autocriticar a prática, em profundidade. Resulta disso que a mudança se dá em processo dialeticamente inevitável, cujo palco dessas operações é o ambiente das tensões criativas das sociedades humanas. Após essa construção do marxismo, várias décadas se seguiram de produções antagônicas e análogas, por teóricos de matizes diversas, até os dias atuais. Como a própria dialética sugere, trata-se de um processo que se nutre dessas mesmas contradições da vida.

Créditos da resenha da obra para:
Áureo João de Sousa
Faculdade Religare Teologia. Curso de Filosofia. Lógica II. 8º Período 2007.1; Turma 28. Turno: Tarde; Sala: 05. Orientador: Prof. Ms. Ariosto Moura. Teresina/PI, junho. 2007.

PEDRAS: REFLEXÃO POÉTICA E FILOSÓFICA

Pedras

Há pedras, cantos, contos, encontros e encantos,
Há pedras em cantos,
Há pedras com cantos,
Há cantos, contos, encontros e encantos em pedras.

Há pedras,
pedras em contos,
contos em pedras,
pedras que cantam

Há encantos nos cantos, das pedras
Há as que cantam, nas pedras
nos cantos daspedrasquecantam os contos dos cantos,
faz conto, canto, encanto e encontro, das pedras.

Áureo João. Pedras. 29 de outubro de 2003. Teresina. PI.

UM CREDO PARA RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

UM CREDO PARA QUEM BUSCA UM CREDO


Creio em Olorum, princípio criador; nosso Deus Supremo, Senhor de todas as coisas; criador do universo; criador de todas as coisas materiais e imateriais: criador da terra, das águas, dos ventos, do fogo, das matas, das pedras; Criador dos Orixás Sagrados.

Creio em Oxalá, Pai dos Orixás e nosso Pai Maior, criador e Senhor regente da Sabedoria de Orum (céu) e de Ayê (terra); regente no céu e na terra; fonte de luz, amor e paciência; criador de nossas nações humanas, dos bichos, dos vegetais, dos minerais e dos insetos;

Creio em Iemanjá, Grande Mãe. Mãe dos Orixás e nossa Mãe Maior; Divindade regente das águas dos Mares.

Creio nos Orixás Sagrados, entes divinos encantados nos fragmentos da natureza e regentes de suas forças e de suas manifestações no universo, na terra, nas águas, nos ventos, no fogo, nas matas, nas pedras, nos seres humanos, nos bichos, nos vegetais, nos minerais e nos insetos;

Creio na influência de nossos Ancestrais sobre nosso sentir, pensar e agir no mundo;

Creio nas religiões de matrizes africanas, que nos deixaram o legado de nossa ancestralidade e dos seres divinizados;

Creio no Axé, Lei, Força e Poder, que permite a realização da vida; que assegura a existência dinâmica; que possibilita os acontecimentos e as transformações; e a realização sobre coisas ou pessoas; que nutre a paz, união, amor, felicidade, sucesso, harmonia entre nós e com OLORUM.

Creio nas forças e energias da Mãe Natureza, que nos permitem as construções das coisas materiais; a produção dos nossos alimentos de cada dia, as acomodações de nossas moradias;

Creio na capacidade positiva de realização dos seres humanos, na edificação do Bem e da Justiça, na evolução social e na sua humanidade;


Que seja assim no dia de hoje!!! e sempre!!! e sempre!!!


Áureo João. Credo para religiões de matriz africana, 26.12.2008. Teresina.PI.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

REFLEXÃO PARA NOSSOS DIAS: Qual é a paz que defendo?

Qual é a paz que defendo?

Não matar, não roubar, não...
Quem é nosso deus?
Ainda cultuamos alguma divindade?
As nossas atitudes são reveladoras da fé que pregamos?

Somos sensíveis ao sofrimento do outro ou tão-somente nos esforçamos para compartilhar dos efêmeros e superficiais momentos de alegrias entre os que consideramos iguais a nós?

Que lugar ocupa em nossas vidas o consumo?
Sejamos sinceros, coisa tão difícil em nossos tempos! O que temos feito galgar ou preservar um espaço na lógica consumista?

Quais valores realmente eu pratico no cotidiano?
Se eu clamo por paz. Qual é a paz que defendo? Um tipo que garanta o direito à vida aos que não possuem esse direito?

Qual é a paz que defendo? A paz contida pelas câmeras de segurança, alarmes e outros aparatos próprios dos condomínios de luxo?

Qual é a paz que defendo? Algum tipo de paz capaz de conter e reter o grito de milhões que sonham em poder morar em suas próprias casas?

A paz que defendo tem guarida nos suntuosos templos do “deus consumo”, nos camarotes das festas cada vez mais “Vips”, nas universidades que ensinam e formam para a manutenção dessa lógica!

Podemos subtrair do conceito de paz os sentidos e os valores representados pelos conceitos de coletividade e igualdade?
É possível vivermos em paz num mundo estupidamente desigual?

Teresina (PI), 11/10/2009.

Gonçalo Carvalho Filho.

Um comentário no rodapé: Minha gratidão às divindades que ainda regem no mundo material e espiritual, mas também à criatividade inerente da figura humana, que pensa, sente, pensa sobre o que pensa e sobre o que sente; e age no mundo... Meu amigo Gonçalo Carvalho Filho está incluso nesta categoria de inteligência humana real e dinâmica. Devo-lhe por este legado histórico. Áureo João, 42 anos. Teresina, 12 de outubro de 2009.