Ao final de uma contextualização dialogada sobre africanidades e afrodescendências, por ocasião de uma conferência sobre políticas de igualdade racial no Brasil (2013), o Mano MC Ted Rap me presenteou com esta arte. Arte de um artista do Hip Hop da Cidade de Picos, no Estado do Piauí - Brasil. E-mail: mctedrap@hotmail.com. #eduardopereira.
Foi um presente !!!! É um grande presente...!!!
quarta-feira, 16 de abril de 2014
terça-feira, 8 de abril de 2014
Pedro José de Alencar (2013). LAILA.
LAILA
Pedro José de Alencar (2013).
Patar é pedra
das que brotam água quando batida;
Água da vida.
A pedra vida
brota quando ferida;
pedra de escândalo, sexo.
Doce sabedoria
no ápice da evolução da natureza;
grande laboratório,
pedra de tropeço existencial.
Doce paraíso terrestre
à espera dos argonautas;
férrea prisão? Digo que não;
Iguala humanas figuras a divinos
Deus e Deusa Arquiteta.
Perfeita chave da beleza e do amor,
mundo subterrâneo sobre a qual se constrói o templo, e
raio e escada que conduz ao céu.
REFERÊNCIA:
ALENCAR, Pedro. Exsicata: coletânea de arroubos
poéticos e outras loucaventuras alquímicas. Teresina: Gráfica Arco Íris, 2013,
116p. [Poema "Laila", p.80].
.................................................................................................................................................MARCAÇÃO E DEMARCAÇÃO DE IDENTIDADES E TERRITÓRIOS DE QUILOMBOLAS
MARCAÇÃO E DEMARCAÇÃO DE
IDENTIDADES
E TERRITÓRIOS DE QUILOMBOLAS
Resumo: Este ensaio
oferece uma base conceitual sobre quilombos, na historiografia brasileira,
inclusive sua ressemantização e ressignificação na contemporaneidade. Trata da
determinação e da autodeterminação do termo, dos fatos e dos sujeitos
históricos. Aborda os instrumentos para a regularização dos territórios das
comunidades quilombolas, com ancoragem na Convenção 169 da OIT; na Constituição
Federal do Brasil de 1988, com especificidade sob o art. 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, combinado com os art´s. 215
(direito à cultura, e à cultura afro-brasileira) e 216 (direito ao patrimônio
cultural); no Decreto Presidencial nº 4887/2003 (regularização de territórios
quilombolas). Para tanto, foram escolhidos percursos e procedimentos do método
bibliográfico de investigação científica. Deixa à mostra que o processo de
marcação e demarcação de identidades e territórios quilombolas ainda é palco de
sérias controvérsias e resistências diversas. Situa-se no campo das identidades
culturais na contemporaneidade e, dentro deste, os quilombos contemporâneos e
suas identidades multifacetárias. Tem como objetivo delimitar um discurso sobre
as identidades que se inscrevem e se apresentam na roda da comunidade
quilombola de nossos dias; os elementos e as relações que dão os fundamentos –
por afirmação, por negação, por resistência e/ou acomodação - para a
construção, ressignificação, ressemantização e predicação das identidades
quilombolas na atualidade, tomando em conta as narrativas da população
quilombola, bem como a produção conceitual exógena. Esta temática e os sujeitos
sociais e étnico-raciais africanizados no Brasil constituem motivo central de
minha pesquisa, no contexto do Mestrado em Sociologia na Universidade Federal
do Piauí.
Palavras-chave: Africanidades e
afrodescendência. Territorialidade. Quilombos. Identidades.
A marcação e demarcação de identidades e
territórios de populações afrodescentendes quilombolas, via de regra geral, faz
aparecer uma interlocução com a questão racial, não raro com sentido
biologizado e também o sentido essencializado. Isso não é uma recorrência
isolada, de modo que no debate sobre e com as africanidades e
afrodescendências, no Brasil, a questão da “raça” está posta, com significados
variados. Por conseguinte, o preâmbulo deste ensaio reserva um lugar especial
para nos introduzirmos no texto a partir dessa ocorrência inevitável.
A questão da “raça” como divisor natural entre os humanos, especialmente no atual
estágio contemporâneo de nossa História, é sabido e aceito que essa premissa
não tem comprovação genética válida hoje; é uma categoria natural refutada de
pleno na Ciência. Cientificamente – diga-se: pelas Ciências Naturais, sob seus fundamentos, seus métodos de aferição e
validação -, essa refutação está mensurada e validada, sem contestações consideradas, conferindo-se ao Projeto
Genoma Humano [PGH[2]] a base científica – Ciência
Genética - de mais recente validação da população humana organizada sob uma
espécie monotípica. Neste sentido “As diferenças refletem apenas a adaptação
evolutiva das populações geograficamente diversificadas de Homo sapiens
sapiens ao seu hábitat e não servem para atestar a existência de raças
dentro de nossa espécie” (PENA, Sérgio D. J; BORTOLINI, Maria Cátira, 2004,
p.4).
Os posicionamentos em defesa da construção de
identidades étnico-raciais afro-brasileiras, inclusas as identidades
quilombolas, não incluem o argumento centrado na raça em sentido genético como
marca divisória natural na população. Porém, advoga que a “raça” é uma categoria política e discursiva fortemente presente na
sociedade brasileira, cuja categoria encontra aplicação utilizada como marcador
e demarcador nas relações de forças e de poder entre os atores sociais que
fazem a história contemporânea das civilizações e das culturas em cursos,
inclusive no Brasil. As Ciências Sociais
e as Ciências Humanas compreendem
essa categoria discursiva e de poder simbólico e político, investida na “raça”, reconhecendo-lhes essa validade
teórica e conceitual, bem como seus efeitos no cotidiano das relações sociais,
vistas nas questões produtivas e econômicas, na ocupação dos espaços de poder,
bem como na construção das subjetividades. É mais apropriado, portanto, ao
conceito antropológico atual de “raça
social” ou conceito social de raça e “a construção social da raça” (BOWEN;
ERICKSON, 2011, pp.337-342) para a espécie humana, mas não o conceito
científico-biológico.
Entre os interlocutores da defesa das
identidades afro-brasileiras e da sua espécie quilombola, o termo “raça” é
tomado no sentido produzido sob circunstâncias históricas, políticas,
econômicas, sociológicas, culturais, ideológicas e de poder e, ainda, mediado
sob valores sociais, étnicos, morais, religiosos e de costumes de dada
sociedade, por um grupo humano ou grupos humanos, sem nenhuma subordinação
linear fixa e obrigatória ao que está “cientificamente
comprovado” nas leis da natureza biológica. Note-se, por exemplo, na
correspondente noção de ancestralidade
em Oliveira (2009), concebida para além das relações de consaguinidade.
[...]Ancestralidade,
inicialmente, é o princípio que organiza o candomblé e arregimenta todos os
princípios e valores caros ao povo-de-santo na dinâmica civilizatória africana.
Ela não é, como no início do século XX, uma relação de parentesco consanguíneo,
mas o principal elemento da cosmovisão africana no Brasil. Ela já não se refere
às linhagens de africanos e seus descendentes; [...] Posteriormente, a
ancestralidade torna-se o signo da resistência afrodescendente. Protagoniza a
construção histórico-cultural do negro no Brasil e gesta, ademais, um novo
projeto sócio-político fundamentado nos princípios da inclusão social, no respeito
às diferenças [...] Passa, assim, a configurar-se como uma epistemologia que
permite engendrar estruturas sociais capazes de confrontar o modo único de
organizar a vida e a produção no mundo contemporâneo (OLIVEIRA, 2009,pp.03-09).
Note-se, também, que toda a legislação
brasileira concebida de 1988 até agosto de 2013 e, em especial, aquelas
fundantes das Políticas de Ações
Afirmativas em favor dos afro-brasileiros, publicadas no ciclo em
referência, todas produzidas a partir de mobilizações e articulações políticas
organizadas com a participação de Movimentos Sociais Negros, em suas múltiplas
formas sociais de organização, inclusive as entidades de representação das
populações quilombolas, nenhuma delas se
sustenta em eixo central com subordinação fixa em componente biológico-genético
como determinante ou como referência de critérios para o estabelecimento de
seus destinatários. O fenótipo encontra-se posto em face do processo histórico
e das construções sociais sobre as africanidades e afrodescendências, no Brasil
(cf. Fundação Cultural palmares. Ações Afirmativas. As principais Ações.
Disponível em . Acesso em: 30
Ago.2013).
Conceitualmente, no curso da pesquisa de campo
que levarei a cabo com a Comunidade Quilombola Custaneira, situada no município
de Paquetá do Piauí, Estado do Piauí – Brasil, eu tomarei em consideração o que
nos oferece José Augusto Lindgren Alves - Diplomata e Embaixador do Brasil em
Sófia [Bulgária] e membro do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial,
em Genebra, sobre “raça”:
Todos de boa fé sabem que
"raça" é, sobretudo, uma construção social, negativa ou positiva
conforme o objetivo que se lhe queira dar. Pode ou não envolver traços físicos,
cor de pele, língua, religião ou costumes "racializados". Com sentido
romanticamente comunitário, a idéia de "raça" fundamentou a formação
dos Estados nacionais europeus [...], assim como serviu de base à expansão
colonialista, justificando a dominação "civilizadora" de populações
"inferiores". Nesse mesmo sentido identitário, agora com os sinais
trocados, a raça tem sido atualmente usada pela esquerda como amálgama de
auto-afirmação para quem antes era, ou ainda permanece, depreciado pelos
demais. E ao mesmo tempo serve ao diferencialismo racista da direita, que
rejeita os imigrantes, os estrangeiros, os diferentes, porque
"culturalmente inassimiláveis".
O
problema não está na existência ou não de raças, mas no sentido que se dá ao
termo. Se atribuirmos caracteres inerentes, naturais e inescapáveis, às
diferenças físicas, psíquicas, lingüísticas ou etno-religiosas de qualquer
população, estaremos sendo racistas, quase sempre para o mal.
(ALVES, 2002, pp.9-10).
Também no campo jurídico, o conceito de raça
está devidamente pacificado, quanto aos seus fatores determinantes e seus usos
nas relações sociais. O Supremo Tribunal Federal - STF, do Brasil, pronunciando
sobre o Habeas Corpus/HC nº
82424-2/RS–RIO GRANDE DO SUL, julgado em 17 de setembro de 2003, no
Tribunal Pleno, que trata do crime de racismo praticado em desfavor do povo
judeu, em que é “paciente” Siegfried Ellwanger, por ter, “na qualidade de escritor e sócio da empresa
‘Revisão Editora Ltda’, editado, distribuído e vendido ao público obras
anti-semitas de sua autoria, e da autoria de autores nacionais e estrangeiros”,
rejeita a tese da defesa do acusado de que o agente não cometera o crime de
racismo contra o povo judeu, conforme a prescrição do art. 5º, XLII, CF/88,
combinado com a Lei Federal nº 7.716/89[3], sob a
alegação de que “judeu” não é “raça”. A Corte Suprema brasileira
ratificou o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
com o expresso indeferimento do objeto do Habeas-Corpus, mantendo a condenação
do réu. Para tanto, o STF pacificou o seguinte conceito de raça:
Raça é uma representação
mental para uma realidade de histórico-racial de discriminação em que grupos
sociais dominantes criam e reproduzem padrões de valor cultural hábeis a
subjugar um determinado segmento de menor expressão (op. cit).
O Ministro Maurício Corrêa, da Suprema Corte da
Justiça no Brasil, manifestando voto sobre o Habeas-Corpus acima, entendeu que [...] “a divisão dos seres
humanos em raças decorre de um processo político-social originado da
intolerância dos homens. Disso resultou o preconceito racial.” O eminente
Ministro, ainda ressalta na fundamentação de seu voto, que
69.Outras manifestações da
doutrina constitucional brasileira afastam a pretensa limitação do racismo ao
conceito biológico tradicional da raça. Uadi Lamêgo Bulos define-o como “todo e
qualquer tratamento discriminador da condição humana em que o agente dilacera a
auto-estima e patrimônio moral de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, tomando
como critérios raça ou cor da pele, sexo, condição econômica, origem etc.
[...]
88.Nesse
passo, a correta conclusão do Professor Miguel Reale Júnior, de que “o racismo
é, antes de tudo, uma realidade social e política, sem nenhuma referência à
raça enquanto caracterização física ou biológica, como aliás, as ciências
sociais hoje em dia indicam[...].
(Disponível
em
.).
Acesso em: 02 Ago.2013.
No Acórdão do Tribunal do Pleno do STF, uma
síntese conceitual dos termos “raça”,
“racismo” e “discriminação racial”:
4.Raça e Racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta
de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto
origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito
segregacionista.
[...]
6.[...] discriminações raciais, aí compreendidas as
distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça,
cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa
superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia",
"islamafobia" e o anti-semitismo.”
(cf. HC 82424/RS. Relator:
Min. Maurício Corrêa. Julgamento em: 17/09/2003, publicado no DJ 19-03-2004
p.00017. Disponível em
.
Acesso em: 02 Ago.2013).
Portanto, o veredicto da Ciência Genética
contemporânea sobre a espécie humana, por si só, não supera os sentidos sociais
que já estão em voga nas teias das intersubjetividades da sociedade brasileira,
enquanto que as noções sociais e jurídicas atualmente predominantes sobre
“raça”, no Brasil, não nos permitem forçar o apagamento dos sentidos do termo
no interior das relações socioculturais e políticas construídas fora e para
além da genética humana validada nas comprovações científicas da atualidade. Na
comunidade quilombola Custaneira, poderemos encontrar estes e outros vários
sentidos e aplicações do termo “raça”, em manifestações singulares, porém a
visão política geral, externalizada nas arenas públicas, por parte das
organizações dos Movimentos Sociais Negros e Movimento Quilombola, refuta a
noção central naturalizada sobre a biologia-genética e qualquer noção de
supremacia racial. Eu caminharei com a noção social predominante, quando das
interações com os sujeitos históricos e étnicos da comunidade pesquisada, e
auscultarei os sentidos que lhes são de usos seus.
Mas, no Brasil, também não se pode perder de
vista que o Estado [ente político formal] e a sociedade têm oferecido
acontecimentos históricos que testemunham a validação conceitual, sob certas
circunstâncias históricas, de operações concretas e simbólicas, do conceito de
“raça” a partir de uma noção evolucionista-darwinista, com sérias conseqüências
civilizatórias. Sob o jugo do ideário do colonizador europeu, autodeclarado “branco”,
“cristão”, “católico”, “civilizado”,
“evoluído”, “puro”, “superior”,
etnocêntrico por excelência egoísta, combinado com o ethos do capitalismo (primitivo
e contemporâneo/globalizado), os negros, os índios, os judeus, os ciganos e
asiáticos – todos não-brancos -, foram considerados da pertença de raças
inferiores ou raças infectas
(CARNEIRO, 2007; MUNANGA, 2008; SANTOS, 2005; SILVA, 2009). Ressalte-se, em boa
hora, que a Ciência tem oferecido importantes subsídios teóricos, metodológicos
e instrumentais, sob a chancela do “cientificamente
comprovado”, a serviço de ideologias racistas e totalitárias, especialmente
porque as Ciências nunca estiveram isentas das influências e determinações de
forças políticas dominantes, face à sua neutralidade impossível.
Nesta pesquisa, repelimos as noções de “raças”
trazidas nas abordagens evolucionistas e no pensamento racial do século XIX, à
maneira daquela reproduzida no Brasil por Nina Rodrigues[4].
Todavia, eu já tenho elementos suficientes para, em vez de ancorar minha
pesquisa na “raça” biológica, buscar ancoragens das abordagens de etnicidade,
sobre a qual retornarei após as fundamentações sobre “quilombos” e
“territorialidades”, adiante expostas.
Para o trato da categoria conceitual “quilombo”, neste ensaio, tomo as
definições históricas e suas evoluções. Vocábulo de origem banto (kilombo) que significa “acampamento” ou “fortaleza”, foi termo usado pelos portugueses para designar as
povoações construídas pelos escravos fugidos.[...]. O estudo do fenômeno no
Brasil tem-se utilizado, basicamente, de documentos produzidos pela repressão
que, se não impedem o conhecimento dessas comunidades, exigem um grande esforço
para captar aspectos não registrados nas fontes militares. [...] Os quilombos
são citados na historiografia, desde a primeira metade do século XVIII, como
parte da historiografia militar dos portugueses na colônia [...] (VAINFAS,
2001, pp.494-495, verbete “Quilombos”).
O Conselho Ultramarino de
1740 define quilombo como toda a habitação de negros fugidos que passem de
cinco, em parte desprovida, ainda que não tenha ranchos levantados nem se achem
pilões neles (LOPES, SIQUEIRA E NASCIMENTO, 1987, p.27, apud TESKE, 2010,
p.65).
[...] a Coroa lusitana
definiu como quilombo, em 6 de março de 1741, toda concentração de cinco ou
mais quilombolas. No império, leis provinciais chegaram a considerar como tal
agrupamentos de três e mesmo de dois cativos (MAESTRI, 1988, p.122, apud TESKE,
2010, p.65).
A organização do “quilombo” não foi uma
peculiaridade da história brasileira, dada a prova de ocorrência de
agrupamentos similares em outras regiões da América escravista – os palenques cubanos e colombianos, as
agrupações bush negroes no Suriname,
as comunidades de marrons na Jamaica
etc. Na ilha de São Tomé, ao largo da costa ocidental africana, escravos fugiam
das plantações lusitanas e aquilombavam-se nos ermos da ilha. O quilombo não
foi um fenômeno originado em tradições sociais ou culturais africanas – apesar
de estar prenhe delas – como sugere a própria palavra cimarrón. Esta palavra teria sido inicialmente aplicada a seres
humanos, em Cuba, na primeira década do século XVI, para designar os aborígenes
que fugiam da brutalidade dos colonizadores (MAESTRI, 1988, p.127, apud TESKE,
2010, pp.63-64).
Historicamente, “a população dos quilombos não
era constituída apenas de escravos fugidos e seus descendentes. Para ali também
convergiam outros tipos sociais pressionados pelo avanço europeu” (REIS, 1995,
1996, p.16, apud TESKE, 2010, p.62). Por conseguinte, trata-se de observá-los
como processos históricos de resistências[5] aos
empreendimentos civilizatórios europeus, de subalternização, escravização e
deslocamentos compulsórios de povos africanos e afrodescendentes, com
denominações diferentes nas Américas (CARVALHO, 1996). As trincheiras de
resistências implicavam em manter aspectos da organização social, religiosidade
e cultura, significando: uma rebelião, uma sublevação, uma insurreição
(CARVALHO, 1996), ou isolamento e/ou negociação (COSTA, 1999), ou ainda como
forma de reconhecer do Estado (ALMEIDA, 1999).
Almeida (1999) considera que a definição
jurídica de quilombo como
sendo, inscrita pelo Conselho Ultramarino em 1740, traz os seguintes elementos
a considerar: a fuga; a quantidade mínima de fugidos; a localização, que é
marcada pelo isolamento geográfico de difícil acesso e mais distante do que é
chamado civilização; o rancho, ou seja, a moradia habitual com benfeitorias
talvez existentes; e por último, o termo “o pilão” da afirmação: “nem se achem
pilões neles”, ou seja, o pilão como instrumento que transforma o arroz colhido
em alimento simbolizava cultura de reprodução do grupo. Assevera- ainda, este
autor, que
a situação de quilombo existe onde há autonomia,
existe onde há uma produção autônoma que não passa pelo grande proprietário ou
pelo senhor de escravos como mediador efetivo, embora simbolicamente tal
mediação possa ser estrategicamente mantida numa reapropriação do mito do bom
senhor, tal como se detecta hoje em algumas situações de aforamento (ALMEIDA,
1999, pp.14-15).
Resultado das lutas e das relações
estabelecidas no processo histórico, na atualidade há ressemantização e
ressignificação de termos, fatos e conceitos.
O termo “quilombo” foi, portanto, empregado e
disseminado na historiografia oficial das Américas colonizadas, como conceito e
como prática social apropriada e significada a partir do ponto de vista do
sujeito colonizador, que detinha o poder da sua própria fala, da sua própria
escrita e da publicação de seu discurso colonial, não raro etnocêntrico,
racista e anti-africanos/afrodescendentes. No entanto, os próprios sujeitos
africanos, afrodescendentes e afro-brasileiros, nas Américas e no Brasil,
concebiam e vivenciavam, desde sempre, seus próprios conceitos, discursos e
práticas sociais do termo e fora deste. Na literatura brasileira, as modificações e as ressignificações do termo e dos sujeitos
ganham enunciados na pauta do discurso político e na historiografia, a partir
da efetiva inserção das várias formas de mobilização das lutas das populações
afro-brasileiras, especialmente com as organizações abrigadas no termo genérico
“Movimentos Sociais Negros” e na agenda específica do “Movimento
Quilombola”.
O quilombo
constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos
africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil-república com a Frente
Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70,
durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão
persistente, tendo na atualidade importante dimensão na luta dos afrodescendentes.
Falar dos quilombos e dos quilombolas no cenário político atual é, portanto,
falar de uma luta política e, consequentemente, uma reflexão científica em
processo de construção […]. (LEITE, 2000, p.333).
De modo contextualizado, para esta
autora,
Tudo isto se
esclarece quando entra em cena a noção de quilombo como forma de organização,
de luta, de espaço conquistado e mantido através de gerações. O quilombo,
então, na atualidade, significa para esta parcela da sociedade brasileira
sobretudo um direito a ser reconhecido e não propriamente e apenas um passado a
ser rememorado. Inaugura uma espécie de demanda, ou nova pauta na política
nacional: afrodescendentes, partidos políticos, cientistas e militantes são
chamados a definir o que vem a ser o quilombo e quem são os quilombolas (LEITE,
2000, p.335).
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) –
Grupo de Trabalho Terras de Quilombos -, em posicionamento sobre a
operacionalização do direito quilombola, concebe que
[...I o termo quilombo tem
assumido novos significados na literatura especializada e também para grupos,
indivíduos e organizações. Ainda que tenha um conteúdo histórico, o mesmo vem
sendo "ressemantizado" para designar a situação presente dos
segmentos negros em diferentes regiões e contextos do Brasil.[...] consistem em
grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e
reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um
território próprio [...I (O'DWYER, 2002, pp.18-19).
Para Teske (2010), portanto, “o que caracteriza uma comunidade quilombola
não é apenas a questão de ocupação e demarcação de um
espaço geográfico, e, sim, aspectos que envolvem questões de cidadania e
direitos humanos” (TESKE, 2010, p.77).
Na perspectiva de Little (2002), em
alinhamento com os autores antecedentes,
a expressão da
territorialidade quilombola não reside na figura de leis ou títulos, mas se
mantém viva nos bastidores da memória coletiva que incorpora dimensões
simbólicas e identitárias na relação do grupo com sua área, o que dá
profundidade e consistência temporal ao território (LITLE, 2002, p.11, apud
TESKE, 2010, 79).
Esta categoria conceitual, por
conseguinte, tomo-a partir da consideração de que, na tradição popular no
Brasil, há muitas variações no significado da palavra quilombo, ora associado a
um lugar (“quilombo era um estabelecimento singular”), ora a um povo que vive
neste lugar (“as várias etnias que o compõem”), ou a manifestações populares
(“festas de rua”), ou ao local de uma prática condenada pela sociedade
envolvente (“lugar público onde se instala uma casa de prostitutas”), ou a um
conflito (uma “grande confusão”), ou a uma relação social (“uma união”), ou
ainda a um sistema econômico (“localização fronteiriça, com relevo e condições
climáticas comuns na maioria dos casos”) (LOPES, SIQUEIRA e NASCIMENTO,
1987:15, apud LEITE, 2000, pp.336-337). Essa vastidão de significados, como
concluem vários estudiosos da questão, favorece o seu uso para expressar uma
grande quantidade de experiências, um verdadeiro aparato simbólico a
representar tudo o que diz respeito à história das Américas (GIUCCI, 1992,
p.25, apud LEITE, 2000, P.337).
Não nos deverá faltar atenção ao
fato de que as dinâmicas da diáspora[6] de
povos africanos no Velho Mundo (Europa) e no Novo Mundo (as Américas),
especialmente a partir de e no pólo do projeto civilizatório e seus processos
sob o colonialismo europeu na América Latina, repercute
nos processos de deslocamentos, realocamentos, expulsão e reocupação de espaços,
ou seja, de territorialização e re-territorialização, com a constante invenção,
reinvenção e plasticidade das resistências empreendidas na experienciação dos
povos afrodescendentes no Brasil. Esse processo “vem a reafirmar que, mais do que uma exclusiva dependência da terra, o
quilombo, neste sentido, faz da terra a metáfora para pensar o grupo e não o
contrário” (LEITE, 2000, p.339).
Esta perspectiva dialética da
diversidade, multiplicidade e plasticidade abriga uma noção de territorialidade
negra afro-brasileira que me importa relevância como princípio orientador,
especialmente para evitar os engessamentos mentais e conceituais do que são e
do que poderão vir a ser os quilombos, as comunidades quilombolas, suas
identidades e suas territorialidades, ou melhor, do que eu possa conceber sobre
esses sujeitos, seus lugares, suas invenções e expressões, porque
os grupos que
hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram
a partir de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com
ocupação de terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças,
doações, recebimento de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado,
a simples permanência nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das
grandes propriedades, bem como a compra de terras, tanto durante a vigência do
sistema escravocrata quanto após a sua extinção (SCHMITT et al, 2002, p.3)
A começar pela denominação com
sentido de lugar, já se faz necessário transcendermos as noções unívocas, posto
que
Dentro de uma
visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias destes grupos,
uma denominação também possível para estes agrupamentos identificados como
remanescentes de quilombo seria a de “terras de preto”, ou “território negro”,
tal como é utilizada por vários autores, que enfatizam a sua condição de
coletividades camponesa, definida pelo compartilhamento de um território e de
uma identidade (SCHMITT et al, 2002, p.3).
Mas também ao sentimento manifesto
sobre esse lugar e a relação com esse lugar, as nuanças são múltiplas e
plásticas, dentro dessa especificidade de sujeitos e lugares:
[...] em
consonância com um moderno conceito antropológico, a condição de remanescente
de quilombo é também definida de forma dilatada e enfatiza os elementos
identidade e território. Com efeito, o termo em questão indica: “a situação
presente dos segmentos negros em diferentes regiões e contextos e é utilizado
para designar um legado, uma herança cultural e material que lhe confere uma
referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar específico”
(SCHMITT et al, 2002, p.4; e GARCIA in: ANDRADE, 1997, p.47, apud SCHMITT et
al, 2002, p.8).
As “Identidades” e as “territorialidades”,
nas expressões de suas materialidades e subjetividades, são construídas nos
percursos históricos e em dinâmicas relacionais, por aproximação e por
distanciamentos, por atrações e por repulsas, por movimentos e forças políticas
centrífugas e centrípetas, por negação e afirmação de pertencimentos.
Este sentimento
de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de expressão da identidade
étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação aos outros grupos
com os quais os quilombolas se confrontam e se relacionam. Estes dois conceitos
são fundamentais e estão sempre interrelacionados no caso das comunidades
negras rurais (SCHMITT et al, 2002, p.4).
Nos grupos negros afrodescendentes
e no interior destes, as comunidades negras rurais quilombolas
afro-brasileiras, a construção de suas identidades e territórios incluem
relevância às relações de parentescos, ainda que não seja requisito de
exclusividade.
[...] parentesco
e território, juntos, constituem identidade, na medida em que os indivíduos
estão estruturalmente localizados a partir de sua pertença a grupos familiares
que se relacionam a lugares dentro de um território maior. Se, por um lado,
temos território constituindo identidade de uma forma bastante estrutural,
apoiando-se em estruturas de parentesco, podemos ver que território também
constitui identidade de uma forma bastante fluída, levando em conta a concepção
de F. Barth (1976)[7] de flexibilidade
dos grupos étnicos e, sobretudo, a idéia de que um grupo, confrontado por uma
situação histórica peculiar, realça determinados traços culturais que julga
relevantes em tal ocasião. É o caso da identidade quilombola, construída a
partir da necessidade de lutar pela terra ao longo das últimas duas décadas (SCHMITT et al, 2002, p.4).
Schmitt et al (2002) nos dá conta
de uma noção de que as identidades e as territorialidades quilombolas
reivindicam um passado para estabelecer suas ancoragens objetivas e subjetivas,
e presentificar esse passado. Não “são”
[fixas] na história congelada, mas “estão
sendo” nas dinâmicas dos processos socioculturais e históricos, e nas
relações de concorrências de poder, dominações e subalternidades.
Estamos,
portanto, diante da incorporação de identidades que, em decorrência de eventos
históricos, introduzem novas relações de diferença, as quais passam a ser
fundamentais na luta dessas populações negras pelo direito de continuar
ocupando e transmitindo às gerações vindouras o território conformado por
diversas gerações de seus antepassados. Assim, na esteira de Barth, podemos
pensar as identidades não como sendo fixas, mas, tomando as palavras de
Boaventura Souza Santos, como “identificações em curso”, integrantes do
processo histórico da modernidade, no qual concorrem velhos e novos processos
de recontextualização e de particularização das identidades. Um processo
histórico de resistência, deflagrado no passado, é evocado para constituir
resistência hoje, praticamente como a reivindicação de uma continuidade desse
mesmo processo. A identidade de negro é colocada como uma relação de diferença
calcada na subalternidade e na diferença de classes. Boaventura S. Santos, ao
relacionar identidade e questões de poder, nos lembra que quem é obrigado a
reivindicar uma identidade encontra-se necessariamente em posição de carência e
subordinação
(SCHMITT et al, 2002, p.4).
Portanto,
[...] é a partir dessa posição
historicamente desfavorável no que diz respeito às relações de poder, que
comunidades quilombolas vêm lutando pelo direito de serem agentes de sua
própria história. Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários
passam a valorar positivamente seus traços culturais diacríticos e suas
relações coletivas como forma de ajustar-se às pressões sofridas, e é neste
contexto social que constroem sua relação com a terra, tornando-a um território
impregnado de significações relacionadas à resistência cultural. Não é qualquer
terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia cultural, social e,
conseqüentemente, a autoestima. Siglia Dória[8] salienta que a identidade de
grupos rurais negros se constrói sempre numa correlação profunda com o seu
território e é precisamente esta relação que cria e informa o seu direito à
terra (SCHMITT et al, 2002, p.5).
De entrada no processo de
construção do debate desta temática, inclui uma antecipação para sanar uma
noção de isolamento dos quilombos, recorrente em muitos autores e discursos
livres sobre a especificidade do tema, ao enunciar a criação e permanência dos
quilombos associados a um “afastamento” [isolamento] dos círculos das relações
sociais históricas de seu tempo e de seu lugar de materialização, e de subjetivação.
Os quilombos se fizeram e se refizeram, e fazem-se hoje, no interior das
relações sociais circulantes, inclusive a subalternização imposta e as rupturas
postas a estas.
Portanto, não se
deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham resistido em suas
terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da sociedade. Pelo
contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com a sociedade
brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em seus
territórios ou, ao menos, em parte deles (SCHMITT et al, 2002, p.6).
Parece-me que aqui, com Schmitt et
al (2002) mais apropriadamente, os fundamentos das teorias contemporâneas da
etnicidade indicam lugar de razoável ancoragem a sustentação deste.
Para o trato com as lentes da etnicidade, convém
[...] que a
etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial
que classifica as pessoas em função de sua origem suposta, que se acha validade
na interação social pela ativação de signos culturais socialmente
diferenciadores. Esta definição mínima é suficiente para circunscrever o campo
de pesquisa designado pelo conceito de etnicidade: aquele do estudo dos
processos variáveis e nunca terminados pelos quais os atores identificam-se e são identificados pelos outros na base de dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de traços culturais
que se supõe derivados de uma origem
comum e realçados nas interações raciais. Se tal definição não apresenta
resposta a priori para a questão da
gênese e da persistência de grupos étnicos, ela permite que se identifiquem os
problemas-chave que, qualquer que seja o tipo de abordagem utilizado,
encontra-se de modo recorrente nas problemáticas da etnicidade:
· O problema da
atribuição categorial pela qual os atores identificam-se
e são identificados pelos outros;
· O problema das
fronteiras do grupo que servem de base para a dicotomização Nós/Eles;
· O problema da
fixação dos símbolos identitários que fundam a crença na origem comum;
· O problema da
saliência que recobre o conjunto dos processos pelos quais os traços étnicos
são realçados na interação social.
(POUTIGNAT; STREIFF-FENART,
2011, pp.141-142)
Sob uma definição conceitual mais entendível,
A etnicidade não
é um conjunto intemporal, imutável de ‘traços culturais’ (crenças, valores,
símbolos, ritos, regras de conduta, língua, código de polidez, práticas de
vestuário ou culinárias etc), transmitidos da mesma forma de geração para
geração na história do grupo. Ela provoca ações e reações entre este grupo e os
outros em uma organização social que não cessa de evoluir (POUTIGNAT; STREIFF-FENART,
2011, frontispício).
À luz
dos fundamentos teóricos dos aportes até aqui invocados à sustentação deste ensaio,
eu encontro substâncias para minha apreensão sobre as categorias conceituais de
“quilombo” (histórico e contemporâneo), territorialidades e identidades
(históricas e contemporâneas), mas também a evocação de outros fundamentos
correlatos aportados em estudos consolidados, tais como campesinidades,
ruralidades, socioambientalismo e as lutas históricas e atuais pela posse,
propriedade e uso da terra, de cujos campos os quilombos e as populações
quilombolas não estão apartados desses processos empíricos.
Por conseguinte, para o tratamento com das
categorias conceituais que tocam as “ruralidades”
atuais, tomo consideração e ancoragem inicial em Cordeiro (2012), através de
cujas lentes etnográficas eu pretendo interagir e apreender “situações tidas como rurais” – paisagens
físico-naturais, paisagens humanas, paisagens socioculturais, atividades,
relações - , seja nas categorias conceituais, seja nas experienciações reais,
“que são especialmente sugestivas e instigantes para problematizar a maneira
pela qual, no Brasil contemporâneo, concebemos tal distinção e dela lançamos
mão” (CORDEIRO, 2012, apresentação), e como os sujeitos lidam com os
determinantes que se evidenciam nos processos de configuração e reconfiguração
das relações sociais, códigos e linguagens, haja vistas os intercâmbios
estabelecidos pelas populações quilombolas no interior das fronteiras e no
além-fronteiras urbano-rural.
Interessa-me ainda, neste itinerário, os
estudos sobre ruralidades no mesmo leque que comportam aqueles sobre
raça/etnia, comportando entendimentos de que não há pertinência na aproximação
entre os dois temas para o caso de estudos sobre populações quilombolas
contemporâneas e a visão de aproximação entre os dois temas sob a denominação
de novos nominalismo para o campesinato brasileiro (MORAES, 2013). Apreendo,
portanto, que as múltiplas acepções poderão vir a ser identificadas no interior
de comunidades quilombolas, com possíveis interfaces temáticas e, também, distanciamentos
possíveis.
Em caráter de aproximação, parece-me possível
identificar pelo menos três aspectos correlacionados às ruralidades negras:
campesinidades (WOORTMANN, K, 1990); territorialidades (LITTLE, 2002) e
tradição (ALMEIDA, 2006) na tematização do que seja quilombo.
A
discussão sobre campesinidades emerge em parte no âmbito do debate sobre a
categoria campesinato e sua adequação para a experiência brasileira, que vai
desde o conceito identitário fixo, sendo o camponês um sujeito histórico e
empírico em vigor, em declínio ou em reelaboração ou uma espécie de
característica identitária que figura mais ou menos em grupos sociais em
determinados momentos. Trata-se do conceito de campesidade na elaboração de
Woortmann (1990), que possibilita conceber dimensões valorativas do modo de
vida camponês, tomado como modo de vida específico num âmbito social mais
amplo, em que é socialmente constituído e constituinte.
O
atributo das territorialidades envolve dimensões geográficas, sociais,
políticas e ambientais em diálogo com Little (2002, p. 3), que conceitua
territorialidade como: “o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar,
controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente
biofísico”, o que permite tomar as territorialidades quilombolas como uso e
ocupação e a luta para controlar, considerando o contexto de luta e disputa
pela terra no contexto brasileiro.
O
atributo tradição relacionado às ruralidades quilombolas é tratado por Almeida
(2006), que considera o termo mais do que uma ideia de continuidade, velho,
antigo ou arcaico; trata-se de uma força política no presente “como
reivindicação contemporânea e como direito envolucrado em forma de
autodefinição coletiva” (Almeida, 2006. p. 9).
O
atributo da tradicionalidade incorporado na identidade quilombola figura também
como conhecimento associado à biodiversidade correlacionado à sustentabilidade
(ALMEIDA, 2006), considerando que as práticas socioambientais materializadas na
categoria nativa roça não se tratam apenas de um cultivo, mas de uma maneira de
viver e de ser, um estilo de vida que conceitua natureza na categoria terra e
que reivindica identidade coletiva política.
Logo,
parece-me razoável considerar os elementos fundantes de etnicidade, quilombo e
quilombolidades, campesinidades, territorialidades e tradicionalidade como
sendo aportes orientadores do itinerário de estudos bibliográficos e com pesquisas
correlatas, com a elasticidade permitida nas ciências sociais de nossos dias.
Para o trato da categoria “comunidade quilombola”, eu também utilizo uma âncora constitucional em vigor. Trata-se do fato histórico que se
constitui na primeira vez que o Estado brasileiro inscreve, de modo afirmativo, o sujeito
constitucional “quilombola” e o lugar
“quilombo” ou “território quilombola”. Mas também, com o mesmo alinhamento do direito
teórico e material, recorro aos fundamentos de Convenção Internacional aplicável
à temática.
Por conseguinte, quanto aos
territórios, inclusive as terras, e às identidades, na temática dos quilombos,
em se tratando de instrumentos de direitos formais, temos a Convenção 169 da
OIT; a Constituição Federal do Brasil de 1988, com especificidade sob o art. 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, mas também a sua
combinação imediata com os art´s. 215 (direito à cultura, e à cultura
afro-brasileira) e 216 (direito ao patrimônio cultural); a Lei Federal nº 12.288/2010 (Estatuto da
Igualdade Racial, especialmente no art. 1º, inciso IV [direito à autodefinição]
e art. 31 [direito a terra]); o Decreto Presidencial nº 4887/2003
(regularização de territórios quilombolas); e o Decreto Presidencial nº
6.040/2007 (povos tradicionais).
A Convenção nº 169 da Organização
Internacional
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, foi recepcionada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo do Congresso Nacional nº 143/2002, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5051, de 19 de abril de 2004. Esta Convenção dispõe em seu art. 14 que “deverão ser reconhecidos os direitos de propriedade e posse dos povos em questão sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Além disso, no trato à instituição das identidades dos povos, assegura que “A consciência de sua identidade indígena ou tribal [e quilombola] deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção” (cf. Parte 1 – Política Geral, art. 1º, item 2, da Convenção 169/OIT).
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, foi recepcionada, no Brasil, pelo Decreto Legislativo do Congresso Nacional nº 143/2002, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5051, de 19 de abril de 2004. Esta Convenção dispõe em seu art. 14 que “deverão ser reconhecidos os direitos de propriedade e posse dos povos em questão sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Além disso, no trato à instituição das identidades dos povos, assegura que “A consciência de sua identidade indígena ou tribal [e quilombola] deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção” (cf. Parte 1 – Política Geral, art. 1º, item 2, da Convenção 169/OIT).
No direito constitucional
brasileiro, o artigo 68 do ADCT/CF[1988] inscreve que “aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”
(BRASIL, CF, 1988, art. 68, ADCT).
No contexto atual, as comunidades
quilombolas – os quilombos -, são grupos étnicos, predominantemente
constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir
das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as
tradições e práticas culturais próprias (cf. www.incra.gov.br/quilombos. Acesso
em: 19 Janeiro.2012).
O Decreto Presidencial nº 4.887/2003, de
20.11.2003, que ”regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das
comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias”, assim conceitua sobre a identidade de comunidade
quilombola:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos
quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo
critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida;
Para
os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos
quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.
(BRASIL,
2003, Decreto nº 4887, art. 2º caput e § 1o , grifo
da citação).
O Decreto Presidencial nº
6.040/2007, que “Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais”, além de outros elementos de
direitos, traz elementos conceituais de identidades e de lugares, em cujos
assentos as comunidades quilombolas são destinatárias de seus conceitos,
princípios, objetivos e instrumentos. Para este Decreto, compreende-se por
Povos e Comunidades
Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição.
Territórios Tradicionais: os
espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e
comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou
temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas,
respectivamente, o que dispõem os arts.
231 da Constituição e 68
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais
regulamentações.
No Programa Brasil
Quilombola, “[...] o Conceito de
quilombo atravessa o tempo [...]. Hoje,
são territórios de resistência cultural (BRASIL,
2005, p.6; Introdução, - grifo da
citação).
Por fim, o projeto de construção das
Identidades nos quilombos e dos povos quilombolas deve ser auscultado no
interior do debate sobre a construção histórica da sociedade brasileira, com os
aportes teóricos do momento e no contexto das lutas sociais em movimentos
contínuos e incessantes. No trato da especificidade africana no Brasil, Munanga
(2008) assinala que
A análise da produção discursiva da elite intelectual
brasileira do fim do século XIX ao meado deste deixa claro que se desenvolveu
um modelo racista universalista. Ele se caracteriza pela busca de assimilação
dos membros dos grupos étnico-raciais diferentes “na raça” e na cultura do
segmento étnico dominante da sociedade. Esse modelo supõe a negação absoluta da
diferença, ou seja, uma avaliação negativa de qualquer diferença, e sugere no
limite um ideal implícito de homogeneidade que deveria se realizar pela
miscigenação e pela assimilação cultural. A miscigenação tanto biológica quanto
cultural teria, entre outras consequências, a destruição da identidade racial
dos grupos dominados, ou seja, o etnocídio. (MUNANGA, 2008, p.103).
O projeto político do branqueamento na
sociedade brasileira, concebido pela elite do País como elemento estruturante
do Projeto Civilizatório da Nação,
pressupunha o desaparecimento das africanidades negras através da mestiçagem e
da miscigenação:
[...] O negro puro diminui de
número constantemente. Poderá desaparecer em duas ou três gerações, no que se
refere aos traços físicos, morais e mentais. Quando tiver desaparecido, estará
seu sangue, como elemento apreciável mas de nenhum modo dominante, em cerca de
um terço do nosso povo; os dois terços restantes serão brancos puros. [...] E o
problema negro terá desaparecido. [...] – (SKIDMORE, Thomas. apud MUNANGA,
2008, p.105)
Este projeto civilizatório, por sua vez,
estabelece nexos com aquele mesmo e idêntico ethos do projeto civilizatório eurocêntrico para as Américas.
Com o início do colonialismo
na América inicia-se não apenas a organização colonial no mundo mas –
simultaneamente – a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da
memória (MIGNOLO, 1995, apud LANDER, 2005, p.26) e do imaginário (QUIJANO,
1992, apud LANDER, 2005, p.26). Dá-se início ao longo processo que culminará
nos séculos XVIII e XIX e no qual, pela primeira vez, se organiza a totalidade
do tempo e do espaço – todas as culturas, povos e territórios do planeta,
presentes e passados – numa grande narrativa universal. Nessa narrativa, a
Europa é – ou sempre foi – simultaneamente o centro geográfico e a culminação
do movimento temporal. Nesse período moderno primeiro/colonial dão-se os
primeiros passos na “articulação das diferenças culturais em hierarquias
cronológicas” (MIGNOLO, 1995:xi, apud LANDER, 2005, p.26).
A construção desse projeto civilizatório “tem
como pressuposição básica o caráter universal da experiência européia [...] e
institui-se uma universalidade radicalmente excludente” (LANDER, 2005,
pp.26-27). Nessa perspectiva, processa-se uma filosofia universal, uma história
universal e uma narrativa dessa história universal. Ato contínuo, “a história é
universal como realização do espírito universal [hegeliano], mas desse espírito
universal [hegeliano] não participam igualmente todos os povos” (op cit, p.29).
Os ethos
destes dois projetos acima – que tamanha aproximação teórica e prática nos
permite pensá-los com um único projeto – nos sugerem tratar de um possível ethos comum da eugenia surgida na
Inglaterra, na segunda metade do século XIX, sob o empreendimento científico de
Francis Galton, considerado o pai da eugenia, disseminado no Brasil a partir de
seu interlocutor de maior expoente no País, o médico Renato Kehl, bem como por
mediação de políticos e intelectuais brasileiros que sustentaram teorias
biologizantes e pensamentos sociais racistas com o propósito de “melhoramento
da raça humana” e respectivo aniquilamento de sujeitos, socialmente, indesejáveis
(DIWAN, 2007).
A eugenia, “com status de disciplina
científica, objetivou implantar um método de seleção humana baseado em
premissas biológicas” (DIWAN, 2007, p.10). Esta lógica dita científica se
alinha ao etnocentrismo já presente nos alicerces do projeto eurocêntrico de
colonialismo nas Américas e no Brasil, em cujo centro a elite branca colonial
proclama e reivindica para si a referência biológica, cultural e civilizatória
dela própria como sendo a única desejável para todos os outros povos. Os
não-brancos, especialmente os índios (concebidos como “a selvageria”) e os negros africanos e afro-brasileiros (concebidos
como “a barbárie”), no Brasil,
gozariam de aniquilamento de seus patrimônios biológicos, culturais e
civilatórios.
Este registro histórico, portanto, não me será
afastado da memória do debate teórico e das observações empíricas, em se
tratando dos processos de construção, determinação, autodeterminação e
ressignificação dos marcadores identitários e das territorialidades afrodescendentes
e quilombolas, no Brasil e no Piauí, nem as resistências materiais e simbólicas
aos ethos e às operações dominantes,
antigas e recentes.
Portanto, esse ponto de vista eurocêntrico é um
preconceito estruturante e uma espisteme particular determinada, com os quais
nós não somos obrigados a compartilhar. As expressões das vidas, dos saberes e
fazeres das africanidades no Brasil, e os sujeitos enunciadores destas, não são
obrigados a permanecer nesse confinamento elaborado e apropriado pelas elites
brasileiras.
A partir da atenção ao ethos desse projeto civilizatório, criticado em Munanga (2008),
Lander (2005) e Diwan (2007), observarei as relações que possam indicar os
acionamentos das identidades que se inscrevem na circularidade da comunidade
pesquisada, com acontecimentos e sujeitos relacionais no cenário histórico
alhures e aqui-e-agora.
De outro lugar, Alfredo Wagner Berno de
Almeida, Mestre e Doutor em Antropologia Social, com elástica experiência em
pesquisas sobre e com povos tradicionais, etnicidade, conflitos, movimentos
sociais, processos de territorialização e cartografia social, postula uma
âncora central para todo o processo que se efetivará a pesquisa sobre esta
temática específica, qual seja:
[...] o ponto de partida da
análise crítica é a indagação de como os próprios agentes sociais se definem e
representam suas relações e práticas com os grupos sociais e as agências com
que interagem. Este dado de como os segmentos sociais chamados ‘remanescentes’
se definem é fundamental, porquanto foi dessa forma que a identidade coletiva
foi construída e afirmada. O importante [...] é como os próprios sujeitos
sociais se definem e quais os critérios político-organizativos que norteiam as
suas práticas e mobilizações que forjam a coesão em torno de uma certa
identidade. Os procedimentos de classificação que interessam são aqueles
construídos a partir dos próprios conflitos pelos próprios sujeitos e não
necessariamente aqueles produtos de classificações externas, muitas vezes
estigmatizantes (ALMEIDA apud SUNDFELD (0rg), 2002, pp.79-80).
Por
derradeiro recurso epistemológico, neste ensaio, lanço mão à noção das
“Epistemologias dos Sul”, sistematizadas por Boaventura Santos (2010), em cuja
âncora eu reservo a possibilidade de desconstrução de fundamentos e conceitos que
eu estou antecipando neste, haja vista a problematização da unidade científica
cartesiana e o reconhecimento das epistemologias dos povos oprimidos, por esta
abordagem do autor, com a qual postula pelas formas diferenciadas de produção
de conhecimento na perspectiva do oprimido, colonizado, das minorias, que
tematizam o reducionismo epistemológico que justifica e reforça processos
políticos assimétricos.
Em suma, constatamos a construção de uma
identidade enunciada pela alteridade. As múltiplas e diversas nações e etnias
constituídas em territórios do continente africano tornam-se, pelo enunciado do
sujeito dominador da colonização, como sendo apenas “africano”, “negro”, “uma
raça”, “escravo” e uma “coisa”, negando-lhes o direito sobre si mesmo e o
direito a um lugar autodeterminado. A construção das identidades
afro-brasileiras, tal como a discutimos hoje, trata-se do resultado combinado
de um conjunto de processos e instrumentos de resistências da comunidade de
africanos e afrodescendentes, com direito ao lugar autodeterminado.
Uma das formas mais divulgadas dessa
resistência – mas não a única nem a mais importante, a meu ver – repousa sobre
os movimentos dos quilombos, protagonizada pelo sujeito enunciado como sendo
quilombola.
O quilombo, hoje,
está pautado como lugar autodeterminado pelo sujeito enunciador e enunciado
coincidente – os povos dos quilombos -, mas também admitido – às vezes
reconhecido – pela alteridade.
A começar pela abolição formal do
regime de escravização, em 1888, podemos observar as narrativas pelo viés da
concessão do direito por ato do agente colonizador, mas também as narrativas
que a traduz como sendo um estágio resultante das lutas de resistências postas
pela população negra ao regime escravocrata e as reivindicações de todas as
abolições necessárias à recomposição de seu lugar e de sua dignidade na
sociedade dinâmica.
Neste cenário, uma intervenção razoável,
parece-nos vem sendo dita pela história da população autodeclarada negra
afro-brasileira, desde seus primeiros passos em solo deste país: resistência
sempre, mediada por estratégias contextualizadas no tempo e no espaço, e nas
relações. No entanto, intelectuais e outros atores, inclusive a academia, não
nos parece razoável deixar de formular questões sobre este debate e suas
controvérsias.
No interior dessas institucionalidades, tenho
observado modos de abordagens e práticas profissionais diferentes, incluindo
casos antagônicos, no trato da marcação e demarcação das identidades e
territórios quilombolas. Um caso observado materializa-se em atuação de
Antropólogo do INCRA-PI, em que o profissional da antropologia parece
distanciar-se bastante das prerrogativas contextualizadas do sujeito
constitucional em pauta, bem como do saber, do fazer e do saber-fazer
antropológicos de melhor validade na literatura atual, inclusive distração
intelectual e orgânica quanto àqueles critérios e condutas orientadas pela
Associação Brasileira de Antropologia – ABA, no que diz respeito à identidade e
ao território quilombola. Há uma hipótese de negativa expressa quanto ao
direito de autodeterminação da marcação e demarcação identitária e territorial.
Para dar maior vazão ao debate
teórico-metodológico contextualizado e cientificamente orientado, eu vou
estudar essa temática sob o Projeto de
Pesquisa “IDENTIDADES SOCIOCULTURAIS NO TERRITÓRIO DA COMUNIDADE RURAL
QUILOMBOLA CUSTANEIRA, MUNICÍPIO DE PAQUETÁ DO PIAUÍ – PI, BRASIL”,
aprovado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, nível de Mestrado, da
Universidade Federal do Piauí – UFPI, para o biênio 2013-2015 - Área de
Concentração Processos, Atores e
Desigualdades Sociais, Linha de Pesquisa Territorialidades, sustentabilidades, ruralidades e urbanidades.
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[1] Mestrando em Sociologia pela
Universidade Federal do Piauí – UFPI (Brasil); Pós-Graduado [Lato Sensu] em Educação, Culturas e
Identidades Afrodescendentes pela Universidade Federal do Piauí – UFPI/Núcleo
de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência/ÌFARADÁ; Licenciado em
Filosofia pela Faculdade Entre Rios do Piauí – FAERPI (Brasil). E-mail: aureojoao@yahoo.com.br.
[2] O Projeto Genoma
Humano é um empreendimento internacional, iniciado formalmente em 1990, com os
objetivos de identificar e fazer o mapeamento do DNA do corpo humano,
determinar as sequências dos 3 bilhões de bases químicas que compõem o DNA
humano, e armazenar essa informação em bancos de dados [...] e torná-los
acessíveis para novas pesquisas biológicas. [...]. Os maiores programas desenvolvem-se
na Alemanha, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia, Dinamarca, EUA, França,
Holanda, Israel, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Suécia e União Européia.
Disponível em <http://www.portaleducacao.com.br/biologia/artigos/23348/projeto-genoma-humano?>.
Acesso em: 30 Ago.2013. Ver também
. .
[3] “Define os crimes resultantes de preconceito de raça e de cor”, com
as alterações trazidas pelas Leis nº 8.081/90, nº 9.459/97, nº 12.288/2010.
[4] Refiro-me à noção evolucionista que
postulava que humanos africanos e afrodescendentes – e índios “puros”, mestiços
resultantes das interações reprodutivas entre “brancos” e “negros”, e “índios -
não dispunham de desenvolvimento biológico (constituição cerebral) e psíquico
em nível igualável aos humanos brancos europeus, expostas em: RODRIGUES, Nina.
O animismo fetichista dos negros baianos. Apresentação e notas de Yvonne Maggie
e Peter Fry. Ed. Fac-símile. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional /
Editora UFRJ, 2006. 140p. Conferir também em RODRIGUES, Nina. As Raças humanas
e a responsabilidade penal no Brasil: com um estudo do Professor Afranio
Peixoto. Biblioteca de Cultura Scientifica. Editora Guanabara, s/d. 211p.
Disponível em
.
Acesso em: 08 jul.2013.
[5] “De uma parte, o
escravo sempre foi o inimigo número um da escravidão, resistindo de todas as
formas às tentativas de reduzi-lo ao estatuto de mera máquina produtiva. E isto
significa que, ao contrário do que disseram e repetiram diversos estudiosos dos
problemas brasileiros, os negros foram sujeitos ativos de sua própria história.
De outra parte, que a luta pela abolição se deu através de uma ampla aliança e
de focos diversos, das senzalas a segmentos significativos do Exército, de
negros fugidos a grupos abolicionistas, de quilombos ao parlamento”, conforme
discorre Gilberto Gil na obra “25 anos 1980-2005: Movimento negro no Brasil
[…]” (GARCIA, 2006, p. 9). Hélio Santos se refere ao movimento negro como sendo
o “movimento sociopolítico mais antigo desse país e que se instala na Terra de
Santa Cruz ainda no distante século XVI. Consistentemente, continua-se a
insistir na luta por cidadania plena – nem mais nem menos -, como se sonhou e
viveu por um século em Palmares” (op. cit, p.17).
[6] Em sentido genérico
“A diáspora é um movimento populacional descontínuo que tem por efeito a
fundação de estabelecimentos separados da população-mãe” (Coleção História
Geral da África, 2010, volume V, p.69). Refiro-me aos processos de
deslocamentos compulsórios impostos e controlados pelo colonialismo europeu aos
povos do continente africano, com o objetivo de estruturar um regime de
produção e de sociedade à base da escravização daquelas populações africanas,
na Europa e nas Américas (também houve no Oriente Médio e na Ásia), de cujo
empreendimento e processo o Brasil (a classe dominante deste) foi patrocinador
desde 1500 a 1888, quando se encerra formalmente a escravidão no País.
Estima-se, na historiografia brasileira, que entraram no Brasil cerca de seis
milhões de negros africanos em condição de escravizados, no período, de um total
estimado entre “11 milhões 15.400.000” ou, ainda, “em termos gerais, a
aproximadamente 22 milhões de indivíduos exportados da África negra em direção
ao resto do mundo, entre 1500 e 1890” (Coleção História Geral da África, 2010,
volume V, pp.98-100). Mas também me refiro aos processos de deslocamentos
compulsórios em desfavor da população afrodescendente/afro-brasileira após o
ato de abolição de 1888 até os dias atuais, em decorrência das disputas e
concorrências pela posse e propriedade da terra, e pela detenção, concentração
e uso desta pelo latifúndio. Ademais, refiro-me aos deslocamentos voluntários
típicos de processos migratórios, que a população negra afro-brasileira também
tem recorrido, no povoamento do Brasil.
[7] cf. BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas
fronteiras. In: POUTIGNAT, Philipe; STREIFF-FENART. Teorias da etnicidade: seguido de
grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. Tradução Elcio Fernandes.
2.ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2011, pp.183-227 (Parte II).
[8]
cf. DÓRIA, Siglia Z. O Quilombo do Rio das Rãs. In: Terra de Quilombos.
Associação Brasileira de Antropologia, 1995.
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