quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O QUE É ESCOLHA?

Escolha. O que é escolha do ponto de vista filosófico? Procedimento pelo qual determinada possibilidade é assumida, adotada, decidida ou realizada de um modo qualquer, preferentemente a outras. O conceito de Escolha está estreitamente vinculado ao de possibilidade(v.), de tal modo que não só não há Escolha onde não há possibilidade (visto ser justamente a possibilidade o que se oferece à Escolha), como tampouco há possibilidade onde não há Escolha, já que a antecipação, a projeção ou a simples previsão das possibilidades são escolhas. Por outro lado, o conceito de Escolha é uma das determinações fundamentais do conceito de liberdade(v.). O conceito de escolha é constante em Platão, que, usando o mito de Er, mostra que o destino do homem depende da escolha que ele faz do modelo de vida: “Não havia nada de necessariamente preestabelecido para a alma porque cada uma devia mudar segundo a escolha que fizesse” (República,X,618b). Mas foi Aristóteles quem fez a primeira análise exaustiva da escolha, distinguindo-a: 1º) do desejo: que é comum também aos seres irracionais, ao passo que a escolha não é (Et. Nic.,III,2,1111 b 3); 2º) da vontade: porque também se pode querer as coisas impossíveis (p.ex., a imortalidade), mas não escolher (Ibid.,1111 b 19); 3º) da opinião, que pode referir-se às coisas impossíveis (p. ex. as eternas) que não dependem de nós(Ibid.,1111 b 30). A essas determinações negativas Aristóteles acrescentou a determinação positiva de que a escolha “é sempre acompanhada de razão e pensamento” (Ibid.,1112a 15). A essa determinação pode-se acrescentar outra, fundamental, extraída das determinações negativas: a escolha diz respeito só às coisas possíveis. Essa última determinação, que é fundamental, era explicitamente ressaltada por Santo Tomás, que repetia substancialmente a análise aristotélica (S. Tb.,II,1,q.13,a.5). A noção de escolha sempre foi amplamente utilizada pelos filósofos, em especial na discussão do problema da liberdade(v.), mas não foi analisada com freqüência. A partir de Kierkegaard, a filosofia da existência enfatizou o valor da escolha no que concerne à própria personalidade do homem ou à sua existência, considerando a escolha sobretudo sob o ângulo da sua própria possibilidade, ou seja, como escolha da escolha. Diz kierkegaard: “A escolha é decisiva para o conteúdo da personalidade: com a escolha ela aprofunda-se na coisa escolhida, mas se não escolher definha”(Werke,II,p.148). Desse ponto de vista, a escolha é importante não entre o bem e o mal, mas entre escolher e não escolher. “Com essa escolha não escolho entre o bem e mal, mas escolho o bem; mas, porquanto escolho o bem, escolho com isso a escolha entre o bem e o mal. A escolha original está sempre presente em toda escolha ulterior” (Ibid.,II,p.196). Esse conceito foi frequentemente repetido no existencialismo contemporâneo. Segundo Heidegger, a escolha autêntica é a escolha do que já foi escolhido, a escolha das possibilidades que já são do homem. “Repetição da escolha significa escolhimento dessa escolha, opção por uma possibilidade que tem raiz no si-mesmo. Ao escolher a escolha, o ser-aí possibilita pela primeira vez o seu autêntico poder-ser” (Sein und Zeit, §54). Mas nesse sentido, a “escolha da escolha” é simplesmente a aceitação ou o reconhecimento daquilo que se é, renunciando-se a qualquer pretensão de mudança ou libertação. No mesmo sentido, Jaspers diz: “Não posso recomeçar e escolher entre ser eu mesmo e não ser eu mesmo, como se a liberdade fosse apenas um instrumento. Mas, quando escolho, sou, e, se não sou, não escolho”(Phil.,II,p.182). Quer dizer: o que posso escolher é apenas meu eu-mesmo: o eu-mesmo que é idêntico à situação, ao lugar da realidade em que me encontro(Ibid.,I,p.245). A escolha na verdade é a escolha do que já se é e não se pode não ser. Esse conceito de escolha acaba eliminando a própria escolha, que, como Aristóteles reconhecera, está sempre ligada ao possível. Por outro lado, Sartre insistiu na perfeita arbitrariedade da escolha, identificou escolha e consciência e viu, por isso, um ato de escolha em todo ato de consciência (L’être et le néant, pp.539 ss.). Isso pode ser verdade, mas de certo modo é oportuno sair em busca de um sentido mais especifico de escolha, segundo o qual nem todos os atos sejam escolhas. Esse sentido pode ser precisamente o de escolha da escolha, não como escolha do que já foi escolhido, mas como escolha do que pode ainda ser escolhido. Nesse sentido, a “escolha possível” é não só a escolha que se oferece como possibilidade, mas a escolha que, uma vez feita, afigura-se ainda possível. Entendido nesse sentido, o conceito de escolha torna-se suscetível de tratamento objetivo e capaz de orientar a analise das técnicas de escolha. Desse ponto de vista, é indispensável determinar, em primeiro lugar o contexto das escolhas, ou seja, o campo de possibilidades(v.) objetivas em que a escolha deve atuar. Por exemplo, para o homem que sofreu uma afronta, as opções de vingança pela força ou pela violência são diferentes das que lhe são oferecidas pelo sistema jurídico em que vive. Além disso, sempre com referência a um contexto determinado, pode-se fazer a distinção entre grau de escolha, que é o número de possibilidades oferecidas por determinado contexto, e extensão da escolha, que é o número de indivíduos que têm acesso a determinada escolha em dado contexto. Entre extensão e grau pode haver todas as relações possíveis, pois o aumento no grau pode influir na extensão e vice-versa. O critério da repetibilidade das escolhas, com base nas considerações acima, especialmente com base nas normas técnicas do contexto, é adotado por todas as disciplinas (conquanto implicitamente): por exemplo, um axioma matemático ou lógico continuará sendo admitido (ou seja, sua escolha se repete) enquanto não levar a uma contradição; uma técnica científica ou produtiva continuará em uso (ou seja, será sempre escolhida) enquanto não der ensejo a inconvenientes ou não for encontrada outra melhor; e assim por diante. Hoje, em todas as ciências, especialmente na matemática, na lógica, na psicologia e na sociologia, é grande o uso da noção de escolha. Mas, como se disse, raramente ela é analisada por essas ciências, que pressupõem seu significado corrente. Por outro lado, as análises feitas pelos filósofos nem sempre dão conta dos caracteres fundamentais da escolha. Bérgson, por exemplo, considerou as alternativas diante das quais se encontra situada toda escolha como falsas “espacializações” dos estados interiores de hesitação; portanto, concebeu a escolha como algo que, “à maneira de fruto maduro, separa-se dos estados consecutivos do eu”(Les données immédiates de la conscience, 1889, p. 134). Mas está claro que, se as alternativas são fictícias, fictícias é a própria escolha que vive só no possível, que é constituído por alternativas. Característica mais autêntica da escolha humana foi evidenciada por Dewey: “A escolha não é uma preferência que emerge da indiferença: é a emergência de uma preferência unificada a partir de um conjunto de preferências competitivas”. Portanto, a escolha racional é apenas aquela que unifica e harmoniza diferentes tendências correntes (Human Nature and conduct, 1929,p. 193). Assim, Dewey alija da escolha o critério de racionalidade, pondo-se num plano em que é possível sugerir inúmeros critérios. Tem, contudo, o mérito de ter ressalvado a importância da escolha e sua onipresença. “A operação de escolha”, disse ele, “é inevitável em qualquer empreendimento que exija a reflexão. Em si mesma, não é falsificadora. A ilusão reside no fato de que a sua presença é oculta, camuflada, negada. Um método empírico descobre e põe a nu a operação de escolha, como faz com qualquer outro acontecimento”(Experience and Nature,1926, p.35). (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003. p.710 – 711.)

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