Contradições de sabedorias
Autor: Áureo João de Sousa.
Teresina - PI.
Eu não queria usar drogas, mas
A família me acalentou e me saciou com drogas,
A religião me doutrinou com drogas,
A escola me ensinou drogas,
A ciência me prescreveu drogas,
O mercado me vendeu drogas.
Eu consumi todas as drogas, sem escolha,
Exceto as que eu, alquimista, decantei, refutei, neguei, transmutei, transcendi,
Retribui ou devolvi,
Sem saber ou sabendo...
Eu não queria fumar, mas fumei e senti prazer;
Eu não queria beber, mas bebi com alegria e sem moderação;
Eu não queria ser inconveniente, mas eu xinguei, blasfemei, injuriei;
Eu não queria cometer pecados, mas dei vazão à ira, à inveja, à gula, à luxúria, à cobiça, à mentira, à preguiça, ao consumismo.
Eu queria ser solidário, mas me elegi ao centro do universo; cultuei a mim mesmo;
Eu queria ser puro e divino, mas adorei as coisas mundanas, amei pessoas, cativei mitos e coisas; zelei por minhas aparências, sem remorsos;
Eu queria viver no mundo das divindades, mas incorporei-me e me identifiquei com as fantasias materiais, comi carne de porco e bebi sangue de animais,
Eu queria estar entre os mais sábios, mas foram os ignorantes e os menos sábios que mais me ensinaram sobre os sábios e suas sabedorias; e não me arrependo;
Eu ouvi a mensagem de Cristo,
li o Alcorão de Alá e Mohammad,
meditei com Buda, Shiva, Khrisna e Brahma;
irradiei-me com Oxalá e Iemanjá, conversei com Lao, dancei com o Deus Sol e Tupã, dialoguei com o Profeta Gentileza,
mas não me lembrei de nenhum Deles, quando parecia razoável fazê-lo, sem me causar auto-flagelo;
Eu queria a limpeza do corpo, mas dormi sem banhar, sem escovar os dentes e sem lavar as mãos;
Eu queria ser um humano, mas comi como os bichos, dormi como bichos, amei e reproduzi como os bichos; vivi um bicho, sem queixar do presente, do passado e fiz o presente;
Estudei ciências, filosofias e teologias; decorei nomes e renomes de cientistas, profetas, poetas e mitos; citei palavras, frases, textos e tratados, mas não usei suas teorias, comprovações, especulações, nem milagres,
Eu me tornei discípulo de gurus de todas as espécies, mas resolvi a vida em pares com quem não depende de adorações e aplausos;
Eu queria escrever livros de todos os gêneros, mas foi a vida que me escreveu contos, cantos, comédias, tragédias, romances, encontros e encantos;
Contemplei cada um em seu tempo e seu lugar; vivi;
Recitei poemas famosos e anônimos;
cantei prosas, ouvi cantos e contos;
vi tragédias e comédias,
Sem querer ou querendo.
Eu queria ser pensador.
Não pensei.
Matutei-me; auscultei-me; assuntei o mundo
Não nasci pensador,
Não me fiz pensador,
Mas inquietei-me assuntador do mundo
Assuntando e assuntado.
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Reflexão:
1.Por que eu, sabendo o que devo ser e o que devo fazer, do ponto de vista da racionalidade ocidental predominante, do contrário, faço exatamente o que não devo ser nem fazer?
2.Por que eu desejo algo e sou tentado a fazer o contrário?
1.o que come, bebe (o homem animal)
2.estudos; educação (o homem intelectual)
3.espiritualidade; religião (a dimensão com a espiritualidade)
Esse poema é pra assuntra e refletir na primeira, segunda e terceira pessoa, de forma relacional. Me fez lembrar o pensamento de Hobbes, em "O Leviatã", quando diz que para aprender a ler uns aos outros é necessário se dar ao trabalho de “Lê-te a ti mesmo”.
ResponderExcluirEis o que diz Hobbes:
"[...] a partir da semelhança entre os pensamentos e paixões dos diferentes homens, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que faz quando pensa, opina, raciocina, espera, receita, etc., e por quais motivos o faz, poderá por esse meio ler e conhecer quais são os pensamentos e paixões de todos os outros homens, em circunstâncias idênticas. Refiro-me à semelhança das paixões, que são as mesmas em todos os homens, desejo, medo, esperança, etc., e não à semelhança dos objectos das paixões, que são as coisas desejadas, temidas, esperadas, etc. Quanto a estas últimas, a constituição individual e a educação de cada um são tão variáveis, e são tão fáceis de ocultar ao nosso conhecimento, que os caracteres do coração humano, emaranhados e confusos como são, devido à dissimulação, à mentira, ao fingimento e às doutrinas erróneas, só se tornam legíveis para quem investiga os corações. E, embora por vezes descubramos os desígnios dos homens através das suas acções, tentar fazê-lo sem comparar com as nossas, distinguindo todas as circunstâncias capazes de alterar o caso, é o mesmo que decifrar sem ter uma chave, e deixar-se as mais das vezes enganar, quer por excesso de confiança ou por excesso de desconfiança, conforme aquele que lê seja um bom ou mau homem [...] O que é coisa difícil, mais ainda do que aprender qualquer língua ou qualquer ciência, mas ainda assim, depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada a minha própria leitura, o cuidado deixado a outros será apenas decidir se não encontram o mesmo em si próprios."
Creio que o poema é cheio de reflexão que toca o seu eu, embuido de um macro entendimento que reflete uma experiencia propria odne situa num global certeiro de antropoloiia filosofica brasileira, num piuaiense integrado numa situação significante.
ResponderExcluirpalavras dignas de uma imersão nas emoções da pessoa. mas o que seria das conspirações e permissões se unicamente seguissemos os preceitos da vida racional e coerente? as descobertas cientificas foram desordem aos olhos da Igreja; a revolução do sutiã era um afronte a sociedade da decada de 50, as lutas sempre serão tratadas pela sociedade em geral e mídia como um ataque a ordem. algo superior a sociedade, uma cultura catequisadora tenta nos guiar sempre pra uma homogeneidade e aceitação do sistema de estratificação em que a sociedade de organiza. mas Hobbes e Nieztsche, mundanos, marginais, loucos, perigosos se não acertaram no ponto, foram bastante felizes ao falarem da naturalidade dos homens. e mesmo a gente malfadado a aceitar diversas coisas, ativamos essa naturalidade as vezes pra questionar o que é questionavel e descontruir o que esta se desconstruindo. acho q do homem não é o estavel e sim a transformação.
ResponderExcluirpermissão e coletividade sempre
André Café
Chega de boiar nas incertezas da terra do nunca!