Influências do capitalismo contemporâneo na dinâmica de funcionamento do Estado: para compreender o Estado neoliberal e não querê-lo fortalecido.
Teresa Cristina Coelho Matos
Assistente Social, Especialista em Gestão de Organizações Públicas e Sociais pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, Mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: teresacmatos@uol.com.br
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INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem como marca relevante o fenômeno da globalização, que alterou, e continua alterando, os modos de produção, as fontes de riquezas, os valores e os sistemas de poder. Nesse contexto, muitos Estados foram impelidos a empreender reformulações em sua estrutura para se tornarem compatíveis com essa nova ordem econômica e social caracterizada pelo capitalismo global que ampliou, em grande medida, as desigualdades sociais.
Investigar essa tese requer uma incursão pela história destacando-se os eventos mais significativos no processo de transformação da sociedade, que influenciaram na modelagem do sistema capitalista ao longo do tempo e na estrutura de funcionamento do Estado, para, em seguida, incorrer sobre o movimento global de reforma do Estado, desencadeado na década de 1980 e ampliado na década de 1990, desencadeado no Brasil pelo Governo de Fernando Collor de Mello e consolidado pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso.
Recorrendo a estudos produzidos sobre o tema, buscou-se destacar a interferência do capitalismo contemporâneo na definição e implementação das estratégias de governo voltadas para realizar esse projeto reformista que, em tese, propunha-se a promover a estabilização econômica, a reinserção internacional e a institucionalização da democracia, mas de resultados desastrosos no vivido social.
1. OS CAMINHOS TRILHADOS
A fase atual da sociedade foi moldada por mudanças significativas no seu sistema de valores, por significativas alterações nas relações de produção e no seu aparato institucional, e foram muitos os eventos humanos e os fatos que tiveram importância na formação desse modelo de sociedade caracterizado pelo capitalismo global, dominado pela revolução das tecnologias e pelo poder do conhecimento e da informação.
A Revolução Industrial, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX está entre os acontecimentos de grande significado na modelagem da sociedade atual, pois marcou a substituição dos processos manuais de produção pelos processos industriais mecanizados e estabeleceu o desenvolvimento do capitalismo industrial (CANTANHEDE,1983, p.83).
Seguindo o curso da história, no período que se segue à Segunda Guerra Mundial ocorrem novas mudanças no cenário da sociedade. As premissas de Marx sobre a reprodução do sistema capitalista são materializadas: a ciência passa a ser utilizada como fator de produção, os instrumentos de trabalho são aperfeiçoados, os meios de comunicação e de transporte se modernizam, surgem os grandes centros urbanos e a centralização dos meios de produção em grandes corporações.
A partir daí as forças produtivas do sistema capitalista foram reforçadas e o capitalismo da economia mundial de hoje começa a tomar formato, sobretudo com a modernização dos transportes e com a utilização da ciência na produção.
É nesse período que se inicia a liberação de fluxos comerciais internacionais, estimulada pelos Estados Unidos, que saem fortalecidos da Segunda Guerra Mundial, com status de nação hegemônica, e nessa posição, com o argumento da racionalidade econômica, passam a estimular a interligação das economias, com o interesse de defender a sua posição de vanguarda nos setores industriais mais atuantes e de controle dos principais circuitos financeiros e comerciais (FURTADO,1992).
É nesse período, também, que o cenário socioeconômico de vários países passou a ser fortemente influenciado pela ideologia socialista de defesa da propriedade social dos meios de produção e da distribuição igual das riquezas, para combater a ideologia capitalista de produção social e da propriedade privada, de estímulo ao lucro crescente do capital e os seus efeitos na sociedade: desigualdades, desemprego e exclusões.
Pelos estudos feitos por Lester Thurow (1997), essa tendência de domínio do socialismo sobre o capitalismo forçou as economias capitalistas a adotarem uma mentalidade defensiva global, iniciada pela ajuda externa que os Estados Unidos deram aos países do terceiro mundo, com o objetivo de garantir parceiros fortes para combater o comunismo que se expandia.
Esse período, compreendido entre o término da Segunda Guerra Mundial e o início dos anos de 1970, é conhecido como a “era de ouro do capitalismo”. O Estado, nesse período, estava estruturado para exercer a função relevante de controle e de ordenação das atividades econômicas, dentro de uma visão desenvolvimentista de expansão dos mercados internos.
A partir de 1973, conforme afirma Fiori (1996), a estrutura econômica da sociedade passa por um desajuste que compromete a sua estabilidade. Inicia-se a crise das políticas econômicas nos países centrais, das políticas de proteção social dos “Estados de bem estar” e das políticas de industrialização dos países subdesenvolvidos. Europa e Estados Unidos passam a enfrentar altos níveis de desemprego e os paises da América Latina, como o Brasil, passam a enfrentar o endividamento interno e externo, déficit público, hiperinflação e desaceleração da economia (THUROW, 1997).
Os fundamentos do capitalismo: estabilidade financeira, pleno emprego, salário em ascensão e crescimento, foram abalados, não estavam sendo vivenciados no cotidiano da sociedade. A realidade passou a apresentar-se sob a forma de recessão, demissões, desempregos e queda de salários reais, provocando uma queda no padrão de vida e proporcionando o crescimento da desigualdade social.
Diante desse cenário, em todo o mundo, Estados reformulam seus aparelhos e redefinem o seu papel para se adequarem a essa nova etapa da vida social, marcada pelos imperativos da globalização e da reestruturação capitalista, tornando-se forçoso a reformulação de sua estrutura organizacional para garantir a produtividade e a competitividade da economia, preservar os interesses gerais do capitalismo global e responder às grandes demandas sociais surgidas ao longo do processo de transformação da sociedade.
3. O MOVIMENTO GLOBAL DE REFORMA DO ESTADO
O movimento de reforma do Estado na sociedade contemporânea evidencia a concepção de Claus Off de que o Estado capitalista é “uma forma institucional do poder público em relação com a produção material” (1984, p.123). Assim, em 1989, os sete países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão, Inglaterra, França e Itália) selaram um acordo estabelecendo diversas políticas voltadas para a implantação de um novo modelo de Estado, fundado sob as bases da concepção neoliberal, - (ref. Doutrina desenvolvida a partir da década de 1970, para adaptação do liberalismo clássico às exigências de restrição ao Estado interventor e assistencialista na economia, devendo exercer controle do funcionamento do mercado em grau mínimo e apenas em setores considerados imprescindíveis) -, tendo em vista atender aos interesses de acumulação do capitalismo global.
Nesse acordo, conhecido como Consenso de Washington, definiu-se um conjunto de estratégias para a formação desse novo Estado, quais sejam: a) ajuste fiscal, para diminuir os gastos do governo e reduzir o déficit público; b) redução do aparelho de Estado na provisão de bens e serviços públicos; c) privatização, através da transferência de empresas sob o controle do Estado para a iniciativa privada; c) criação de espaços políticos para a participação da sociedade na fiscalização dos gastos públicos.
Considerando que o Governo é o centro propulsor e unificador do Estado; a estrutura de comando que imprime as regras para que sejam cumpridas as orientações políticas do Estado (BOBBIO, 1999), na década de 1990 os governos de diversos paises do mundo, dentre os quais o Brasil, sob os comandos de Collor de Mello e de Fernando Henrique, empreenderam o movimento de reestruturação do Estado, centrando esforços para “modernizar” e “agilizar” sua base institucional de gestão, a Administração Pública.
Destaque-se que, a centralidade do movimento global de reforma do Estado foi o de dotar a administração pública de eficiência e eficácia pelo entendimento que a estrutura existente não atendia às necessidades dos governos e nem ao interesse público. Para isso os mecanismos utilizados pelos governos seguiram as estratégias definidas pelo Consenso Washington: a) limitações das dimensões do setor público; 2) privatizações; 3) comercialização ou corporização do setor público; 4) descentralização para governos subnacionais; 5) uso de mecanismos típicos de mercado; 6) novas atribuições aos órgãos da administração central, visando a “racionalização” (KETIL, 1998).
Os estudos de Donald Ketil apontam que o que levou cada país a definir os seus programas de reforma foi a natureza das suas forças políticas e das instituições de cada um deles e que, as diferenciações apresentadas nesses programas são influenciadas pela diferenciação dos cenários geográficos e culturais, das suas riquezas acumuladas e da importância dada à geração do conhecimento. Assim, em alguns países deu-se maior importância ao papel social do Estado e em outros ao fortalecimento do mercado.
Nos Países latino-americanos as reformas do Estado seguiram principalmente as tendências de revisão do seu tamanho e do seu papel, pela via das privatizações e da terceirização na provisão de bens e serviços públicos. Situação identificada no projeto reformista do Estado brasileiro, apesar de seus formuladores o apresentarem sob um discurso crítico ao neoliberalismo; defendendo uma reforma de base social-liberal, - (ref. corrente política de cunho reformista, por via democrática, originária da doutrina revolucionária socialista e marxista de 1917, mas que no contexto do Estado capitalista contemporâneo visa a melhoria das condições de vida dos trabalhadores sem comprometer os interesse do capitalismo global) -, apresentada, nas palavras de Bresser Pereira (1999), como a que melhor soube diagnosticar as crises estruturais enfrentadas pelo Estado brasileiro diante dos imperativos do mundo globalizado.
Porém, a concepção reformadora, na prática, estava fortemente concentrada na diminuição do Estado e na valorização do mercado, sendo veiculada para a sociedade como estratégia para preparar o país e ajustar sua economia para a nova competitividade internacional, tendo, para isso, que se livrar de uma herança de décadas anteriores na qual o Estado era gigantesco, ineficiente e perdulário (NOGUEIRA, 2005).
Nesse sentido, os formuladores dessa matriz do Estado brasileiro apontaram como práticas necessárias a transferência para a iniciativa privada das atividades que podem ser controladas pelo mercado (privatização das empresas estatais) e a descentralização para o setor público não-estatal de serviços que não envolvem o exercício do poder do Estado, mas devem ser subsidiados por ele, como educação e saúde.
Contudo, vale ressaltar que devido ao avanço da vida democrática na atualidade, emergem nesses países um movimento de conscientização de que mercado e Estado não são os únicos organizadores da vida social e que os movimentos organizados da sociedade são partes integrantes e peças fundamentais nessa tarefa.
Assim, além de empreender o ajuste estrutural da economia e a reforma do aparelho administrativo do Estado tornou-se necessários empreender um processo de democratização, com a adoção de uma variedade de medidas voltadas para assegurar a participação da sociedade civil na reconstrução do Estado e na delimitação do alcance regulador do mercado, incluídas no texto da constituição de 1988, que estabelece novas bases de relação entre Estado e sociedade no âmbito da gestão pública.
Nesse sentido, é ilustrativo, na realidade brasileira, a constituição e consolidação de conselhos gestores de diversas políticas e programas sociais, a prática do orçamento popular em várias cidades, bem como a realização de conferências para consulta popular, em nível nacional, estadual e municipal, para o planejamento das ações de saúde, educação, meio ambiente, assistência social, dentre outras, com a participação garantida de representantes da sociedade civil.
Vale ressaltar que para que o processo de democratização alcance seus resultados, além desses espaços de participação popular na gestão pública, é necessário, também, a adotar conduta dialógica na busca de articulação entre Estado, agentes econômicos e sociedade civil - {ref. compreendendo sociedade civil no sentido dado por Grmsci: “ sociedade civil não é um mero terreno de iniciativas ‘privadas’, mas tem [...] uma ‘função estatal’, na medida em que se põe como ‘hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado” ( NOGUEIRA, 2003, p. 187, apud GRAMSCI, 2000)} - e, assim, criar os meios políticos para a consolidação democrática e ampliação dos direitos e da justiça social.
4. CONCLUSÃO:
Nesse estudo pode-se perceber que as propostas de reforma do Estado empreendidas nas sociedades capitalistas da atualidade, apesar de se apoiarem num discurso de defesa dos interesses coletivos, tiveram como base a concepção neoliberal imposta pelos paises ricos e reforçam a tese de que foram implementadas, principalmente, com o propósito de atender aos interesses econômicos do capitalismo global.
Dentro de uma realidade complexa, que engloba interesses diversos e conflitantes, tanto no âmbito do Estado, dos setores econômicos, quanto da sociedade civil e entre estes, percebe-se que algumas questões, ainda hoje, continuam na pauta de discussão. Como realizar uma reforma de Estado que priorize a defesa dos interesses coletivos no contexto da sociedade capitalista contemporânea? É possível reverter as práticas focadas estritamente na defesa dos interesses das elites econômicas transnacionais, internacionais e nacionais?
Dentre os caminhos apontados está o de conceber a sociedade civil no sentido gramisciano, devendo ser vista com a “função estatal” de conteúdo ético do Estado, bem como de ampliar os espaços de participação da sociedade para além da arena das políticas públicas de cunho social, garantindo seu envolvimento no debate de questões referentes à racionalidade econômica e distribuição da riqueza e assim caminhar em direção da consolidação de um verdadeiro processo de democratização e promoção da justiça social.
Reconhecidamente, esses caminhos foram ampliados pelo governo popular democrático coordenado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e precisamos tê-los consolidados. Nesse rumo, temos como única alternativa a candidata Dilma Rousseff à presidência da República.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Quem Governa? In: As ideologias e o poder em crise. 4ª ed. Trad. João Ferreira, Brasília: UnB, 1999.
BRASIL, Presidência da República, Plano Diretor De Reforma Do Estado. Brasília, Câmara da Reforma do Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995.
CATANHEDE, César. Administração e Gerência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1983.
FIORI, José Luis. Os moedeiros falsos, “neoliberalismo e políticas públicas”, “globalização e democracia”, o novo papel do estado frente à globalização, mimeo, 1996.
FURTADO, Celso. Brasil: a reconstrução interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
KETIL, F. Donald. A Revolução Global: reforma da administração do setor público. In, Revista do Estado e Administração Pública Gerencial. Trad. Carolina Andrade – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. 2° ed., São Paulo: Cortez, 2005.
OFFE, Claus. Problemas estruturais do estado capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser, SPINK, Peter. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
THUROW, Lester C. O Futuro do Capitalismo: como as forças econômicas mudam o mundo de amanhã. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
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