LADAINHA - NOVEMBRO NEGRO
Ladainha: Novembro Negro – Negro Pensa, Negro Chama, Negro Luta !!!
Áureo João. 43. Teresina/PI, Novembro de 2010.
1.
Levanta a cabeça Chico Nêgo, que o branco inimigo nos espreita da moita, dos campos e rochas, dos escritórios e do castelo;
Avisa Manoel que o inimigo do quilombo de lá é o mesmo de cá e de acolá;
Faça a roça, faça a roda; faz a reza, faz a mandinga e faz a luta!
Tenha muita fé em Deus, em Nosso Senhor do Bonfim, em João Batista e Santa Bárbara; pague promessa a São Francisco, romaria a Santa Cruz e preces a Nossa Senhora, mas não perca a fé que é de nós mesmos de nascença e de raiz, que é de nosso saber e de nosso fazer; fé em nossa força própria;
Chame as pretas velhas e os pretos velhos para nos ensinar experiências; as crianças para encantar a roda e limpar da vida a quizila que não é para ficar; os caboclos guerreiros e mensageiros vão na frente, vão abrir caminhos que a luta vai passar;
2.
Acorda Maria, o caminho da roça de quilombo é estreito e tem muita treita, mas caminho feito é para caminhar; quilombo é para quilombar;
Ginga mestre, que nem gato de sete vidas e passarinho ligeiro, mas também joga a vida como cobra coral; não assusta quem não é para assustar; não derruba o que não é para cair e não mata quem não é para morrer;
A luta foi anunciada desde a história cedo e não tem hora exata nem jeito certo para terminar;
Luta começada com negro só acaba quando acabar; só acaba se negro acabar;
Começa na hora e acaba na hora, não antes da hora, nem depois da hora; mas há luta necessária agora!!!
3.
Dobra o joelho Zé!!!
Dança um batuque, um samba de roda, um pagode do morro e de roça, um tambor de crioula e de mina, um reggae Jamaica ou maranhense, uma leseira, uma samba de cumbuca, um baião de Alano do Forró;
Ajoelhe na roda de preto e faça uma reverência ao tambor; cante uma cantiga de negro, uma toada de índio, uma música de branco;
Mas não se curve ao rito do senhor branco etnocêntrico, daquele branco que desbota o significado de nossa tinta, enfraquece nossa força, muda nota de nosso ritmo, estranha nossa ginga, rouba nossa alma, cerca nosso quilombo, nega nossas identidades;
Ainda que seja em tempos de outrora, mesmo que seja na pós-modernidade branca de agora, tão nova e tão antiga;
4.
Assunte reza cantada, reza gemida; reza de amor, reza de guerra; reza benzida e cruzada; reza que levanta negros e encanta negras;
Assunte a reza de agouro e peça agô e axé da proteção de raiz para fechar o corpo;
Negro que conhece a reza não pede bênção e não abaixa a cabeça para qualquer um benzer e abençoar;
Bispo que reza em reza numerada, contada em algarismo, crucifixo de metal com laço no pescoço e amuleto de moedas no bolso, essa reza salva negro morto para morar no céu do senhor, mas não liberta negro vivo aqui na terra; na terra que negro pisa, vive a roda, faz a roça, dança os pontos que pode contar e canta para ser feliz;
Assunte a quizomba que é boa, ria o riso de festa e da luta, ofereça gargalhadas de criança ao vento, mas assunte o endereço do vento que traz a gargalhada que nos agoura má colheita e nos zomba;
5.
Nem toda hóstia oferecida por padre é sagrada, nem todo santos é santo; tem negro novo que suspeita e duvida, tem negro velho que garante;
Água benzida por pastor não é benta para todo negro, nem serve ao banho de toda negra; só sabe quem assunta as águas, só conhece quem sabe a ciência da reza;
O vinho do bispo tem veneno, a pregação é dissimulada, o riso é fingido, sua comida dá remorso e indispõe as gentes; melhor não comer nem beber; negro livre não pede nem aceita, se aceita não gosta;
Ginga de banda, negro; gira de lado que nem besouro mangangá, mas não vire as costas para onde não deve virar;
Mas também não coma comida, não beba bebida e não banhe o banho, com a oferenda oferecida, sem assuntar a reza que lhe faz a encomenda;
6.
Mandinga negro, gira na roda do quilombo mundo; gira o mundo na roda;
Um bode foi sacrificado, seu sangue bebido em oferenda por Capitão-do-mato;
Pássaro que é livre voa para ver o quilombo quilombar;
Sibito que é livre voa como besouro no ar para ver o quilombo de lá, de longe!!!
Voa tiziu, voa pardal, voa azulão, voa canário, voa gavião, voa sabiá, para quilombo quilombar;
7.
A luta não é fácil, mas tem que continuar;
Nos quilombos com nomes de bichos, de caminhos das águas, de plantas, de gente e do santo que houver;
No Quilombo dos Macacos; dos Cavalos; das Onças; das Emas; das Lagoas; do Sumidouro; do Brejão; dos Kalungas; dos Silva; de Conceição das Crioulas; Alcântara; Marambaia; de São João; Santo Antônio; São Joaquim; Santa Maria da Codipi, Irmã Dulce; nos Quilombos de Dandara e Zumbi dos Palmares;
Luta começada por negro só acaba quando acabar;
Luta de negro só acaba se negro acabar;
8.
Não descuida negro, a colheita é boa, mas apenas começou;
Muita eira há de se levantar; há muito que plantar; muita obra que fazer;
Não há rocha dura nos campos que não possa ser quebrada, nem castelo branco que não possa cair; muita coisa plantada, a colheita há de vir,
Regue a rosa, acenda uma vela para o santo, sapeque um jucá e segure o patuá; a mata é grande e a pedreira é certa;
Mas a vereda tem que ser aberta até acabar e só acaba quando a luta acabar, no quilombo do mato, na mata do quilombo, no quilombo da cidade, no quilombo da favela e no quilombo das mentes da gente;
9.
Negro e negra de luta não passam na encruzilhada sem se benzer!
Tem Capitão-do-mato no mato, de toda cor e de toda altura;
Tem Capitão-do-mato na selva de pedra, vestindo terno e formatura;
O senhor da fazenda tá mudado, anda em carro com muitos cavalos, maquiagem no rosto, roupa fina e mais de um celular no bolso;
Mas o senhor e o capitão guardam herança do passado no presente. Continuam vendendo negros, sustentando luxo à nossa custa e controlando coisas de nossa vida;
10.
Tem Capitão-do-mato e Senhor de Engenho, com carta de engenheiro ou de doutor, comandando chefias nas repartições de governo, por merecimento político e experiência comprovada;
Quando o governo açoitava negro, Capitão-do-mato e o Senhor executavam em harmonia, sem duvidar do mando certo. Se o governo diz que respeita negro, intermediários se revoltam; o Capitão-do-mato e o Senhor da Fazenda trancam portas das entradas e de saídas; no engenho e nas repartições do governo;
E, como nos tempos em que andou Zumbi dos Palmares, a Carta de Alforria do quilombo continua muito rara e muito cara; há documento lavrado com a sabedoria de senhor de escravos; tem que passar no agrado de Capitão-do-mato, rubricado por capataz, encaminhado por outro Capitão-do-mato e coordenado por latifúndio, antes que governo possa assinar;
Acontece coisa que negro não pediu para ver. Menino que nem era nascido já carrega barba no rosto; tem negro que ri para não chorar; tem negra que ri e o coração chora;
Mas enquanto senhor de escravo e capitão-do-mato tiverem mando nas fazendas de latifúndio e nas chefias de repartições de governo, negro velho não pode dormir na virada da meia noite; geração nova não pode dormir muito cedo e acordar para a vida de negro muito tarde;
11.
Cuida negro, segura o patuá e entra desconfiado na repartição do Governo, o Capitão-do-Mato de espera em mesa grande, cadeira macia, sala refrigerada; comendo nosso dinheiro e dando risada para negro assistir; muita conversa fiada e pouca tinta na caneta para escrever história de negro;
Povo negro dos quilombos, vilas e favelas, palácios e palafitas, onde negro houver,
Negros e negras têm direitos deste sempre, até de vacilar,
Mas não deve usar o direito de fugir da luta que é sua própria, de derrubar negro que não é para cair, nem matar o que não é para morrer;
O inimigo certo é grande, é sabido, é treiteiro, é poderoso, tem nome e sobrenome desde as capitanias e sesmarias, tem endereço visto, tem a cara limpa e ronda nosso lugar, com armas na mão ou sorriso bonito no rosto e dinheiro nosso no bolso;
12.
Há branco amigo de nossa luta; há branco que luta nossa luta; há branco fingido, traiçoeiro;
Há índio no quilombo, na tribo e no terreiro,
Há negro covarde ou ingênuo, que vacila; a gente não gosta, mas tolera seu direito;
Mas coisa de negro é de negro, luta de negro é de negro; negro faz; negro sabe;
Luta começada por coisa de negro só acaba quando acabar; só acaba quando o motivo acabar.
13.
Cultura de negro também pode ser de branco, se a troca for boa e o branco zelar;
Coisa de branco também pode ser coisa de negro, se negro puder escolher e gostar;
O que é de branco, branco vigia de noite e o dia,
Mas o que é de negro, negro tem que achar, tem que pegar; tem que salvaguardar;
Negro acha a si mesmo; negro se acha na vida e mundo que é seu; e só para de achar quando não houver mais o que achar;
14.
Com as forças de Alá, Jesus Cristo, Buda, Oxalá e Yemanjá,
A cidade é selva de pedra;
Nós estamos aqui e não vamos correr dos perigos,
Na pedreira de ferro e cimento, a justiça de Xangô há de reinar,
E filho seu roda na roda e fora da roda, mas seguro não cai.
15.
Vovó Acotirene tem razão!
Luta entre negros irmãos é importante e, às vezes, necessária e estratégica ou a vaidade determina;
Negro combate com outro negro já nos tempos de Zumbi e Ganga Zumba, mas também nos tempos de agora;
Mas em território de combate com o colonizador branco etnocêntrico, essa luta entre negros não tem negro vencedor; não tem negra rainha; não tem reinado negro que se sustenta;
Luta começada em defesa de negro só acaba quando acabar o que defender; só acaba quando o inimigo verdadeiro recuar e cada lado ficar no seu lugar; cada negro ficar em seu lugar; e cada negro tiver a cota que lhe cabe!!
16.
Luta de negro é luta de quem pode lutar;
Luta de quem ama e respeita a vida, que é bela; ou por causa da morte que ronda;
Mas caminho feito é para caminhar;
Luta começada com negro só acaba quando acabar;
Só acaba quando negro quiser acabar!!!
... ... ...
Axé!!! Axé!!! Axé!!!
Ladainha para nossa reflexão durante o mês de novembro – mês de referência da consciência negra.
Nenhum comentário:
Postar um comentário