Matéria disponível em http://br.noticias.yahoo.com/blogs/cartas-amazonia/maior-grilagem-acabou-192705428.html.
Acesso em 04 Março.2012.
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[abre aspas]
A maior grilagem acabou
Por Lúcio
Flávio Pinto | Cartas da Amazônia – sáb, 3 de mar de
2012
Nesta
semana a subseção da justiça federal de Altamira, no Pará, vai receber os autos
do processo sobre a maior grilagem de terras da história do Brasil, talvez do
mundo. São quase 1.500 páginas de documentos, distribuídos em seis volumes, que
provam a forma ilícita adotada por um dos homens mais ricos e poderosos do
Brasil contemporâneo para se apossar de uma área de 4,7 milhões de hectares no
vale do rio Xingu.
Se a
grilagem tivesse dado certo, Cecílio do Rego Almeida se tornaria dono de um
território enorme o suficiente para equivaler ao 21º maior Estado do Brasil.
Com seus rios, matas, minérios, solos e tudo mais, numa das regiões mais ricas
em recursos naturais da Amazônia.
O
grileiro morreu em março de 2008, no Paraná, aos 78 anos, mas suas pretensões
foram transmitidas aos herdeiros e sucessores. A "Ceciliolândia", se
pudesse ser contabilizada legalmente em nome da corporação, centrada na
Construtora C. R. Almeida, multiplicaria o valor dos seus ativos, calculados em
cinco bilhões de reais.
Com base
nas provas juntadas aos autos, em 25 de outubro do ano passado o juiz
substituto da 9ª vara da justiça federal em Belém mandou cancelar a matrícula
desse verdadeiro país, que constava dos assentamentos do cartório imobiliário
de Altamira em nome da Gleba Curuá ou Fazenda Curuá.
O juiz
Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho reconheceu que os direitos conferidos por
aquele registro eram nulos, "em razão de todas as irregularidades que
demonstram a existência de fraude no tamanho da sua extensão, bem como a
inexistência de título aquisitivo legítimo".
Além de
mandar cancelar a matrícula do imóvel, o juiz ordenou "a devolução da
posse às comunidades indígenas nas áreas de reserva indígena que encontram-se
habitadas por não-índios". Condenou a empresa ao pagamento das custas
processuais e da verba honorária, que fixou em 10 mil reais.
No dia 9
de dezembro a sentença foi publicada pela versão eletrônica do Diário da
Justiça Federal da 1ª Região, com sede em Belém e jurisdição sobre todo o Pará,
o segundo maior Estado brasileiro. No último dia 15 de fevereiro os autos do
processo foram devolvidos à subseção federal de Altamira, em cumprimento à
portaria, baixada em novembro do ano passado.
A
portaria determinou "que a competência em matéria ambiental e agrária deve
se limitar apenas aos municípios que integram a jurisdição da sede da
correspondente Seção Judiciária".
É
provável que a única intervenção do juiz de Altamira se restrinja a extinguir a
ação e arquivar o processo. Tudo indica que a Incenxil, uma das firmas de que
Cecílio Almeida se valia para agir, não recorreu da decisão do juiz Hugo da
Gama Filho. Ou por perda do prazo, que já foi vencido, ou porque desistiu de
tentar manter em seu poder terras comprovadamente usurpadas do patrimônio
público através da fraude conhecida por grilagem.
A
sentença confirma o que reiteradas vezes declarei nesta coluna e no meu Jornal
Pessoal: Cecílio do Rego Almeida era o maior grileiro do Brasil — e talvez
do mundo — até morrer. E até, finalmente, perder a causa espúria. Por ter dito
esta verdade, reconhecida pela justiça federal, a justiça do Estado me condenou
a indenizar o grileiro.
A
condenação original foi dada por um juiz substituto, que fraudou o processo
para poder juntar a sua sentença, quando legalmente já não podia fazê-lo. Essa
decisão foi mantida nas diversas instâncias do poder judiciário paraense, mesmo
quando a definição de mérito sobre a grilagem foi deslocada (e em boa hora)
para a competência absoluta da justiça federal.
Se a
Incenxil não recorreu, a grilagem que resultou na enorme Fazenda Curuá foi
desfeita. Mas essa decisão não se transmitiu para o meu caso, o único dos
denunciantes da grilagem (e, provavelmente, o único que mantém viva essa
denúncia) a ser condenado.
Em um
livro-relâmpago que estou lançando em Belém junto com uma edição especial do Jornal
Pessoal, reconstituo a trama urdida para me levar a essa condenação e me
tirar do caminho do grileiro e dos seus cúmplices de toga.
Como
vítima de uma verdadeira conspiração entre empresários, advogados e membros do
poder judiciário, considero a minha condenação um ato político. Seu objetivo
era me calar.
Mas calar
não só aquele que denuncia a grilagem e a exploração ilícita (ou irracional)
dos recursos naturais do Pará (e da Amazônia). É também para punir quem
acompanha com muita atenção a atuação da justiça e a crítica abertamente quando
ela erra, de caso pensado. E tem errado muito.
As atuais
dificuldades enfrentadas pela ministra Eliana Calmon, corregedora do CNJ, têm
origem numa barbaridade cometida por uma juíza paraense e confirmada por uma
desembargadora. No mês passado a juíza foi promovida a desembargadora, a
despeito de estar passível de punição pelo Conselho Nacional de Justiça.
Decidi
tirar uma edição exclusivamente dedicada ao meu caso não para me defender, mas
para atacar. Não um ataque de retaliação pessoal, mas uma reação da opinião
pública contra os "bandidos de toga", que usam o aparato (e a
aparência) da justiça para atingir alvos que só a eles interessa.
Também
contra os que se disfarçam de julgadores para agir como partes; que recorrem
aos seus poderosos instrumentos para afastar todas as formas de controle que a
sociedade pode exercer sobre os seus atos.
Por isso
decidi não recorrer da condenação que me foi imposta e conclamar o povo a
participar de uma campanha pela limpeza do poder judiciário do Pará. Nossa
força é moral. E ela deriva do fato de que temos a verdade ao nosso lado.
A verdade
é a nossa arma de combate. Com ela iremos ao tribunal, no dia em que ele
executar a sentença infame contra mim, para apontar-lhe a responsabilidade que
tem. Não satisfeito em defender os interesses do saqueador, do pirata
fundiário, ainda nos obriga a ressarci-lo porque a verdade causa dano moral ao
grileiro.
Que moral
é essa? A dos lobos, que predomina quando é instituída a lei da selva. Sob sua
vigência, vence o mais forte. O resultado é essa selvageria, que se manifesta
de tantas e tão distintas formas, sem que nos apercebamos da sua origem.
Frequentemente
ela está no Poder Judiciário, o menos visível e com menos controle social de
todos os três poderes estabelecidos na constituição. Esse poder absoluto
precisa acabar. Para que, com ele, acabe um dos seus males maiores: a
impunidade. Queremos um Pará melhor do que esta selvageria em que o estão
transformando.
[fecha aspas]
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