domingo, 6 de abril de 2014

O PODER SIMBÓLICO E AS RESISTÊNCIAS INTERÉTNICAS NO BRASIL: REFLEXÕES A PARTIR DE BOURDIEU, MARX E CASTELLS



O PODER SIMBÓLICO E AS RESISTÊNCIAS INTERÉTNICAS NO BRASIL: REFLEXÕES A PARTIR DE BOURDIEU, MARX E CASTELLS
Áureo João de Sousa[1].  Teresina-PI, Fevereiro de 2014.
Resumo: Este artigo está pautado com o objetivo de fazer uma reflexão sobre o poder simbólico e as resistências interétnicas no Brasil, tomando como referência temática central as relações estabelecidas entre a categoria do tipo ideal “branco eurocêntrico” e a categoria tipo ideal “negro afrodescendente”, no cenário do processo histórico do País. A reflexão toma partida em Bourdieu (1989), Marx e Castells (2001), com contrapontos em outros autores e nas realidades sociais forjadas na sociedade brasileira. A reflexão posta pretende um confrontamento teórico-dialético entre estes autores, lançando mãos às categorias “poder”, “poder simbólico”, “dominação”, “identidade”, “poder da identidade”, “trincheiras de resistências”, bem como uma breve contextualização com o processo de formação da sociedade brasileira. Com isto, o artigo está orientado para responder às seguintes perguntas: em que medida as noções de trincheiras de resistências e identidades de resistências se aproximam da noção de consentimento nas relações entre dominado e dominador? Para o caso das relações da elite branca escravagista e os brancos eurocêntricos subsequentes com as populações negras africanas e afrodescendentes no Brasil, é possível concluir que os sujeitos escravizados naquele regime e subalternizados no regime que se segue consentiam e consentem o quantitativo e o qualitativo da dominação empreendida pelo dominador, como sugere a teorização em Bourdieu na sua concepção relacional e sistêmica do mundo social, e nos conceitos de habitus, campo e capital cultural? A produção deste artigo consta para fins de avaliação parcial da disciplina Teoria Sociológica II, sob orientação do Prof Dr. Ferdinand Cavalcante Pereira, no contexto específico do Mestrado em Sociologia/PPGS/CCHL/UFPI, período 2013.2.
Palavras-chaves: Poder simbólico. Resistências étnicorraciais. Sociologia.
Este artigo se faz materializado com o objetivo de desenvolver uma reflexão sobre o poder simbólico e as resistências interétnicas no Brasil. Para tanto, a referência temática central são as relações sociais e raciais estabelecidas entre a categoria do tipo ideal “branco colonizador eurocêntrico” e a categoria tipo ideal “negro afrodescendente”, no cenário em que se plasma o processo histórico da sociedade e do País.
A reflexão em pauta toma partida em face da noção de Poder Simbólico em Bourdieu (1989) e da noção de identidade de resistência abordada em Castells (2001), com contrapontos em outros autores e nas realidades sociais forjadas na sociedade brasileira.
A problematização postada pretende um confrontamento teórico-dialético entre estes autores, lançando mãos às categorias “poder”, “poder simbólico”, “dominação”, “identidade”, “poder da identidade”, “trincheiras de resistências”, bem como uma breve contextualização com o processo de formação da sociedade no Brasil colonial e sua expressão contemporânea.
Com este objetivo-focal, o presente artigo está orientado para responder às seguintes perguntas-chaves: em que medida as noções de trincheiras de resistências e identidades de resistências se aproximam da noção de consentimento nas relações entre dominado e dominador? Para o caso das relações da elite branca escravagista e os brancos eurocêntricos subsequentes com as populações negras africanas e afrodescendentes no Brasil, é possível concluir que os sujeitos escravizados naquele regime e subalternizados no regime que se segue consentiam e consentem a dominação empreendida pelo dominador, como sugere a universalidade da teorização em Bourdieu, na sua concepção relacional e sistêmica do mundo social, e nos conceitos de habitus, campo e capital cultural?


A produção do presente texto delimita-se sob o método bibliográfico. O produto está organizado com a seguinte estrutura de tópicos: O poder simbólico em Pierre Bourdieu (1989); Noção de resistências em Marx (1986; 2000/2011; 2002), Castells (2001); Pontos e Contrapontos teóricos com outros autores; e Referências.
O poder simbólico em Pierre Bourdieu (1989)
O poder simbólico é um poder de construção de realidade
Bourdieu é um dos clássicos da teoria social pós‑estruturalista; sua obra tem um caráter que parece ser a síntese das sínteses: estrutural mas não estruturalista; histórica mas não historicista; política mas não militante; marxista quanto baste e suficientemente weberiana para ter a legitimação da ciência social (CARIA, 2002). Filósofo e Sociólogo francês, Bourdieu é considerado um dos principais nomes da sociologia do século XX e um dos intelectuais mais influentes do período (CERRI; SILVA, 2013).
O texto “O poder simbólico” foi produzido por um pensador francês-europeu com seu pensar[2] ancorado nos pensamentos produzidos por pensadores europeus (franceses, alemães, ingleses, especialmente). O texto foi parido na Europa majoritariamente eurocêntrica; no polígono do pensamento moderno ocidental e não fora deste. O texto é datado de 1973, nascido de uma tentativa para apresentar o balanço de um conjunto de pesquisas sobre o simbolismo, em uma conferência acadêmica numa universidade, em Chigado, no ano de 1973 (BOURDIEU, 1989, p.7), cidade mais populosa do Estado Illinois, nos Estados Unidos da América, portanto, circunscrito a esse lugar de fala e sua época de produção.
O autor plasma uma reflexão do temário da Sociologia moderna-contemporânea ocidental europeia, tratando de categorias e artefatos culturais que tocam “indivíduo”, “sociedade”, “Estado-Nação”, “produção capitalista sistemática”, “classe”, “dominação de classe”, “habitus”, “campo”, “formas simbólicas”, “formas de classificação”, “solidariedade social”, “sistemas simbólicos”, “relações sociais” e “poder simbólico”, esses todos abrigados no interior da modernidade ocidental e da produção do pensamento ocidental moderno europeu.
Ao tratar deste tema, Bourdieu (1989) responde às seguintes perguntas: O que é o poder simbólico? Como se configura esse poder? Como o poder simbólico é mobilizado nas relações estabelecidas por e com entes singulares e coletivos, grupos sociais e classes sociais, na sociedade humana? A abordagem do autor é trazida em uma concepção relacional e sistêmica do mundo social, no interior da qual a genealogia dos conceitos de habitus, campo e capital cultural ocupa um lugar central do seu tecido teórico.
À luz de entrada na reflexão temática em vazão, Bourdieu nos oferece uma chave da sua concepção sociológica no trato do artefato cultural que dá identidade à sua obra: “O poder simbólico é um poder de construção de realidade...” (BOURDIEU, 1989, p.9).
Na plataforma da cultura, feito exclusivo e distintivo da figura humana em sociedade, lugar onde as cenas objetivadas e as subjetividades em cena são tomadas em consideração, de modo relacional em Bourdieu, e onde as relações sociais são forjadas, aí se constrói e se mobiliza o poder simbólico e a realidade dos entes humanos materiais e simbólicos, todos produtos da ação humana.
Conceitualmente, Bourdieu define que o poder simbólico é esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exerce (BOURDIEU, 1989, pp.7-8). Ou seja, trata-se de um tipo de manifestação de poder que somente pode ser mobilizado e efetivado com o envolvimento de entes sujeitados ou partícipes da produção desse poder, de modo relacional, seja qual for o pólo da posição em que se manifestem os entes envolvidos, seja em simetria ou assimetria de relação.
Para o autor, este artefato cultural é uma espécie de círculo cujo centro está em toda a parte e em parte alguma, por isso é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado; onde ele é menos reconhecido (BOURDIEU, 1989, pp.7-8).
Em cenas da vida quotidiana, não é raro encontrarmos situações sociais – feitas na cultura e produto da ação social – tomadas como se “naturais” fossem, que se constituem por e na manifestação de poder simbólico definida em Bourdieu (1989). Seja nas relações paternas e maternas, e nas paternalistas; seja nas relações afetivas, seja nas relações de trabalho, seja nas relações político-partidárias, seja nas religiões, seja nas relações intelectuais, seja em ocasiões formais e informais, grosseira e/ou suavemente postas, aí pode vir a ter uma manifestação de hierarquização, dominação, acomodação e produção de consenso, na expressão do poder simbólico em pauta. Aliás, assevere-se que Bourdieu toma isso como sendo uma constante e sem exceção, nas relações, variando apenas na qualidade e no tipo da manifestação.
O cenário dinâmico – constituído de lugar, acontecimento histórico-cultural e circunstâncias, entes sociais animados, relações sociais, poder, forças e correlações de forças - , onde estas cenas se manifestam, é aquele lugar das ideias dominantes dos dominantes das classes dominantes[3]; é aquele lugar onde se forjam as relações de produção econômica material, e a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, pensadas em Marx (BOTTOMORE, 2001, p.157).
Por certo, é cenário de manifestação do poder simbólico as relações intersubjetivas entre sujeitos postuladas em Habernas[4], a vida cotidiana enunciada em José de Souza Martins (2012), na qual o sentido da vida e as relações no vivido se restringem às conexões visíveis, mas também encontra lugar de manifestação naquela noção de quotidiano sistematizada em José Machado Pais (2001), sintetizada naquilo que passa quando nada se parece passar. Mas ainda na Linguagem[5] em Saussure[6], e na Linguagem e nos Jogos Linguísticos de Wittgenstein[7].
Ademais, são possíveis evidências do poder simbólico no cenário das fábulas do grego Esopo (século VI a.C.) e, igualmente, nas fábulas do francês Jean de La Fontaine (1621-1695), trazidas por Paulo Coelho (2001) ao nosso tempo; mas também nas cenas culturais tramadas na obra “O Sitio do Pica-pau Amarelo" de Monteiro Lobato (1882-1948), nas composições dos capítulos de poética sertaneja do poeta Patativa do Assaré (1909-2002)[8] e no célebre conto-novela “O alienista” de Machado de Assis[9].
Outrossim, faz-se cenário onde se pode achar o poder simbólico, o campo das relações entre as “identidades de resistências”, as “identidades de projeto” e as “identidades dominantes”, e no interior de cada uma delas, concebidas em Castell´s (2002). Mas assim possível também no interior do discurso e da microfísica do poder em Foucault (1979).
De modo correspondente também se faz nas resistências postas nas expressões do poeta afro-brasileiro Cuti, criador do Quilombhoje-Literatura e dos Cadernos Negros: “Resiste quem age contra algemas de qualquer quilate; quem pare no tremor das batalhas o inusitado e ressuscita o ideal ancestral assassinado [...]; Resiste quem não entrega seu íntimo ao bandido e, se dividido, reparte-se para manter seu povo unido” [...] (Cuti, 2013, pp.17-18; poema Resistência). O poder simbólico está no interior da expressão da vida moderna líquida e também na sólida, em Bauman (2000), na modernidade radicalizada de Giddens (1991), nas relações no interior da sociedade em rede de Castells (1999), na “Pós-modernidade” em Hall (2006) e nos não-lugares de Marc Augé (2007). Está nas expressões e nos silêncios da cultura:
[...] a cultura objetivada tem de ser compreendida tanto por suas expressões como pelos seus silêncios, tanto por seus conteúdos explícitos como pelas suas lacunas, pelo que ela fala e pelo que cala. As coisas culturais têm de ser absorvidas por sua imagem e por sua contra-imagem; tarefa que pede dedicação, sensibilidade e tirocínio [...]. Tal objetivação é filha da práxis, resulta das ações que dão eficiência e plasticidade ao viver. (ROMERO, 1950, p.12, apud MORAIS, 1992, p.38 e p.47).
Bourdieu (1989) nos diz que o habitus, o campo e o capital cultural constituem cenários da manifestação do poder simbólico e de violência simbólica.
Com o autor em pauta, o habitus constitui-se em um conhecimento adquirido e uma prática incorporada no agente em ação (BOURDIEU, 1989, 61). Sob esta perspectiva, o sentir e o modo de sentir, o pensar e o modo de pensar, o agir e o modo de agir social do agente são capacidades constituídas e mobilizadas a partir de determinantes da cultura objetivada e subjetividades que abrigam a condição individual e social desse agente, oferecendo-lhe as referências por este incorporadas.
O habitus diz respeito às disposições [atitudes] incorporadas pelos sujeitos sociais ao longo de seu processo de socialização; integra experiências passadas, atua como uma matriz de percepções, de apreciações, de ações. Essa “matriz”, ou conjunto de disposições, nos fornece os esquemas necessários para a nossa intervenção na vida diária; essas disposições não são fixas, não são a personalidade nem a identidade dos indivíduos; habitus é um operador, uma matriz de percepção e não uma identidade ou uma subjetividade fixa; durável, mas não imutável (Bourdieu, 2002, p.83).
Mas o habitus não é destino, como se vê às vezes. Sendo produto da história, é um sistema de disposição aberto, que é incessantemente confrontado por experiências novas e, assim, incessantemente afetado por elas (Bourdieu, 1992, p.108, apud SETTON, 2002, p.64, nota de rodapé).
Por esta perspectiva teórica e experienciação social correspondente, o habitus é, portanto, concebido como um sistema de esquemas individuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nas mentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas de existência), constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano (SETTON, 2002, p.63)
Por conseguinte, pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus é uma subjetividade socializada (Bourdieu, 1992, p.101, apud SETTON, 2002, p.62). Dessa forma, deve ser visto como um conjunto de esquemas de percepção, apropriação e ação que é experimentado e posto em prática, tendo em vista que as conjunturas de um campo o estimulam (SETTON, 2002, p.63).
Quanto a esta categoria conceitual, tomemos em consideração que, segundo Roberto Mosca Jr, o conceito de habitus foi desenvolvido por Pierre Bourdieu com o objetivo de pôr fim à antinomia indivíduo/sociedade dentro da sociologia estruturalista (PEREIRA, 2013, p.11). Esta categoria conceitual, por sua vez, em estudando a teoria defendida por Bourdieu, não pode ser tomada dissociada da categoria campo, do mesmo teórico.
Campo, na acepção de Bourdieu (1989), é um território de produção de relações entre grupos, coletivos ou unidades de sobrevivência[10] do sujeito humano, com diferentes discursos e práticas sociais; é espaço de mobilização de poder para consensos e rupturas, conforme sejam as circunstâncias históricas do jogo de poder em cena. Esses campos, socialmente determinados, têm relativa autonomia, vez que Bourdieu (1989) postula pelas relações de interdependências dialéticas e processos relacionais entre indivíduo e sociedade; entre habitus e campo; entre indivíduo e campo, entre um campo e outro campo; entre indivíduo, habitus, campo e sociedade. São exemplos ilustrativos de “campo”: campo da alta costura; campo da moda; campo artístico; campo político; campo econômico; campo teórico; campo religioso; campo ideológico; campo linguístico; campo intelectual; campo social; campo de produção cultural; campo simbólico etc. Pereira (2013, p.6) sintetiza: “Campo é o lugar e o não-lugar do poder – poder invisível”.
Os campos constituem em “arenas sociais onde os agentes disputam e se apropriam de diversas formas de capital (simbólico, cultural, e econômico)” (Costa, 2010, apud PEREIRA, 2013, p.22).
Em diálogo com a produção teórica antecedente e para a reflexão temática delimitada, Bourdieu (1989) toma em consideração que a tradição neo-kantiana trata os diferentes universos simbólicos (mito, religião, arte, ciência) como instrumentos de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, como “formas simbólicas”, reconhecendo o “espaço ativo” do conhecimento (BOURDIEU, 1989, p.8).
Durkheim, representante da tradição kantiana, lança os fundamentos de uma sociologia das formas simbólicas. Ele utilizou o conceito de “formas simbólicas” como equivalente a “formas de classificação”. Em Durkheim, as formas de classificação deixam de ser formas universais (transcendentais) para se tornarem em “formas sociais”, arbitrárias e socialmente determinadas. Nesta, a objetividade do sentido do mundo social imediato toma-se a partir da concordância das subjetividades estruturantes, com a qual se aplica a noção de que o senso corresponde ao consenso (BOURDIEU, 1989, p.8).
A tradição neo-kantiana privilegia o modus-operandis [modo de operação; a exteriorização da interioridade], as estruturas estruturantes, na atividade produtora de consciência e relações, enquanto que a tradição estruturalista privilegia o opus operatum (a interiorização da exterioridade), as estruturas estruturadas (BOURDIEU, 1989, p.9).
Conclui Bourdieu (1989), que os “sistemas simbólicos”, como instrumentos de conhecimento e comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados (ibidem).
Concebe, este autor, que em Durkheim e Radcliffe-Brown o simbolismo tem função social e papel determinante na construção de consensus da ordem social. Nesta acepção, a função do simbolismo constitui-se numa autêntica função política que não se reduz à função de comunicação dos estruturalistas:
Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social. Enquanto instrumentos de conhecimentos e de comunicação, os símbolos tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social (BOURDIEU, 1989, p.10),
Em Durkheim e Radcliffe-Brown, a estrutura lógica e a gnoseológica [conhecimento do sujeito que conhece o objeto] dos sistemas simbólicos são tomadas como fundantes da solidariedade em sociedade:
A integração “lógica” é a condição da integração moral [que dão liga ao mundo social] (ibidem),
Entende Bourdieu que, de outro modo distinto da tradição neokantiana, a tradição marxista privilegia as funções políticas dos “sistemas simbólicos” em detrimento da sua estrutura lógica e da sua função gnoseológica [conhecimento em função do sujeito que conhece o objeto de seu conhecimento]. [...] Este funcionalismo da tradição marxista explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses da classe dominante. Observe-se que este funcionalismo da tradição marxista nada tem em comum com o estruturo-funcionalismo trazido em Durkheim e em Radcliffe-Brown (BOURDIEU, 1989, p.10).
As produções simbólicas como instrumentos de dominação também nos oferecem uma função autenticamente política. Esta função é posta em operação, no mundo social imediato, como instrumento de imposição, hierarquização, distinção, desmobilização ou de legitimação da dominação de uma classe sobre outra, de um grupo social sobre outro, de uma unidade de sobrevivência sobre outra, de uma fração de uma classe sobre outra fração dessa mesma classe e em situações sociais análogas. A cultura dominante contribui, prepoderantemente mas não exclusivamente, para esta função política do poder simbólico e das produções simbólicas, em cujas cenas culturais se manifestam e se plasmam a violência simbólica[11] e a função ideológica do simbolismo (BOURDIEU, 1989, pp.10-13; PEREIRA, 2013).
Neste contexto da produção simbólica e da sua função política e ideológica, Bourdieu nos dispõe que os sistemas simbólicos distinguem-se conforme sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo. Aí se constituem os sistemas ideológicos que os especialistas, à maneira de teóricos e interlocutores orgânicos, produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima. Portanto, as ideologias devem a sua estrutura e as suas funções mais específicas às funções que elas cumprem, em primeira instância, para os interlocutores especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada, seja religiosa, seja artística, política etc; em segunda instância e por acréscimo, às funções que elas [as ideologias] cumprem para os não-especialistas (BOURDIEU, 1989, pp.12-13).
As ideologias, neste contexto sociológico, são sempre duplamente determinadas, ou seja, expressam os interesses das classes, grupos, unidades de sobrevivências ou parcela destas, mas também exprimem os interesses específicos daqueles interlocutores especialistas que as produzem e à lógica específica do seu campo particular de produção (BOURDIEU, 1989, p.13).
Por conseguinte, as formas simbólicas e os sistemas simbólicos e, especialmente a mobilização destes, dependem do capital cultural investido e acionado pelo agente em ação.
A capacidade de mobilização do poder simbólico no interior das relações sociais, na Sociologia em Bourdieu, depende do acervo de capital cultural do indivíduo, do grupo, da classe, da fração de classe e/ou do campo, e a compreensão que essa unidade tem de seu acervo de capital cultural em face do outro (presença física e social do outro na interação) e da alteridade (as subjetividades desse outro).
Bourdieu postula a manifestação desse capital cultural em três formas (BOURDIEU, 2001, pp.73-79). A primeira forma, o autor chama de capital cultural em estado incorporado, cuja forma se constitui sob contribuição imediata do habitus e do campo onde o indivíduo ou unidade coletiva se encontra inserida; incluem-se, aí, os gostos, o conteúdo e o grau de domínio de conteúdos de língua e informações sobre o mundo social imediato, referências culturais, sua inserção e interação no e com o universo escolar. Neste, o campo do grupo familiar é basilar para a construção da capacidade do agente.
A segunda forma, o autor a denomina de capital cultural no estado objetivado, cuja forma se plasma a partir das condições para aquisição de bens, produtos, serviços e artefatos culturais pelo agente. Em primeira instância, o capital econômico favorece a compra desses bens, produtos, serviços e artefatos culturais pelo agente, mas a apropriação de seus respectivos conteúdos e formas simbólicas pelo mesmo agente comprador ou adquirente depende de sua capacidade de apropriação e mobilização de instrumentos e códigos para interpretá-los, decifrá-los e mobilizá-los a partir dessa aquisição simbólica. Nesta perspectiva, o capital cultural no estado objetivado e/ou sua mobilização se estabelecem com uma relação interdependente com o capital cultural em estado incorporado.
A terceira forma de manifestação desse capital cultural, postulada em Bourdieu, constitui-se naquela expressão que o teórico denomina de capital cultural no estado institucionalizado. Este capital toma materialidade formal em títulos acadêmicos ou similares obtidos e validados nos processos sistemáticos de educação e ensino, e equivalentes aquisições e validações sociais.
Bourdieu diz que os atores fazem um uso estratégico do [capital cultural], usando sua destreza [...] como maneira de demarcar socialmente os grupos com menor “capital cultural” e de obter reconhecimento simbólico e prestígio (GOLDSTEIN, 2008, apud PEREIRA, 2013, p.17).
Para os fins imediatos deste artigo, seleciono duas conclusões basilares à reflexão neste. A primeira, trata-se de que Pierre Bourdieu sugere que o capital econômico não é unívoco na determinação das relações, nem na determinação da posição nas relações de dominação socialmente construídas. O autor postula que o capital cultural e a capacidade de mobilização do capital cultural também se constituem determinantes em tais relações e na qualidade destas e nestas. A segunda conclusão, refere-se a que o teórico sugere a ideia de que, nas relações entre dominador-e-dominado, há um consentimento do dominado. Talvez aí resida um dos pontos mais polêmicos de sua teoria, a meu ver, se for apanhado como uma generalização e com a pretensão de aplicação universal nas situações de dominações sociais. A ausência de contextualização apropriada às especificidades desse gênero e de suas espécies empíricas pode comprometer o valor epistemológico-orientador da tese, senão vejamos o que se segue.
Com este vértice, Eduardo Socha teoriza a violência simbólica configurada com a “adesão dos dominados”; com a “dominação consentida” pelo dominado e “pela aceitação das regras impostas pelos dominantes” (Eduardo Socha, [...], apud PEREIRA, 2013, p.15 )
No sentido originário do termo, o Dicionário Etimológico Nova Fronteira nos oferece que “consentir” é permitir, tolerar, aprovar (CUNHA, 1986, p.208, verbete “Consentir”. No Dicionário Online de Português, “consentir” é querer, não pôr obstáculo, permitir; autorizar, aquiescer, aderir, aprovar, concordar (Disponível em . Acesso em: 15 fev.2014). O Dicionário Aurélio da língua portuguesa acrescenta ao termo o significado de “estar em harmonia”, “ser conforme” (FERREIRA, 1999, pp.532-533, verbete “Consentir”).
Nas relações sociais, “consentir” é diferente de “negociar tensões”; “consentimento” é distinto de “negociação” entre partes em conflitos sociológicos. Além disso, é razoável considerar circunstâncias históricas e também contingências em que a relação de dominação se processa de modo compulsória e drasticamente assimétrico, onde a noção de consentir a dominação figura-se distanciada empiricamente e teoricamente.
Noção de resistências em Marx (1986; 2000/2011; 2002),
O primeiro contraste teórico destas conclusões se faria com as ideias de Marx e Engles, em cujos teóricos está posto um destaque sobre o antagonismo de classes no interior do capitalismo e a história de toda a sociedade humana constituída prepoderantemente pelas histórias das lutas de classes empreendidas no curso da humanidade (MARX, 1986, p.81). No centro de suas teorizações, a classe burguesa-dominante[12] e a classe do proletariado-revolucionário[13]. Estes teóricos concebem que
As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante. As ideias da classe dominante são sempre as ideias dominantes na sociedade, ou seja, a classe que representa o poder material dominante da sociedade também representa o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual e para submeter às suas ideias os que não têm meios para a sua própria produção espiritual. As ideias dominantes são simplesmente a expressão ideal das relações materiais dominantes, ou seja, são as relações materiais dominantes concebidas como ideias. As relações que tornam dominante uma classe também tornam as suas ideias como sendo as idéias dominantes (MARX; ENGELS, 2002, p.56).
Marx e Engels postulam que a vida do sujeito humano e o modo como os sujeitos humanos produzem os seus meios de vida dependem, em primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a reproduzir. Desta perspectiva, o modo como exprimem suas vidas, assim os sujeitos também o são. Aquilo que os sujeitos são, coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também com o como produzem. O que os sujeitos são depende das condições materiais da sua produção; o intercâmbio e a forma de intercâmbio entre os sujeitos humanos são condicionados pela produção material econômica (MARX; ENGELS, 2002, pp.15-16).
Com estes autores, entende-se que a produção das hierarquias de poder é construída, estabelecida e mantida pelas condições históricas do tempo e do lugar dos sujeitos, e das condições de produção material da vida dos sujeitos. Certamente, as relações e a qualidade das relações entre dominador-e-dominado são forjadas dentro desse determinante material-econômico-histórico.
Nestas bases se assentam a concepção materialista da história, ou seja, no desenvolvimento do processo real da produção, partindo logo da produção material da vida imediata, e na concepção da forma de intercâmbio intimamente ligada a esse modo de produção e por ele produzida (MARX; ENGELS, 2002, pp.47-48).
No entanto, Marx (1986) sugere uma noção de perigo constante e de rebelião material e simbólica, possíveis de ocorrência e possível dessa ocorrência abalar irremediavelmente o domínio dessas condições materiais e históricas que dão alicerce às relações em voga e, consequentemente, as ideias dominantes correspondentes. Essa negação à dominação em curso e o perigo de rebelião é nutrido pelo antagonismo de classes.
A cada classe dominante derrotada e nova classe dominante instalada na dominação, mas também idêntico nas colisões individuais entre proletariado e burguês, a dinâmica do antagonismo permanece como uma espécie de paradigma da negação entre as classes e entre sujeitos antagônicos. Diferente da noção de “consentimento”, o sentido da disposição [atitude] do agente dominado é o de “resistência” entendida na acepção etimológica do termo: “ato ou efeito de resistir, de não ceder” (CUNHA, 2005, p.679, verbete “resistência”). Essa resistência se materializa mediante a revolução do proletariado, com expressa ruptura em face dos dominantes (MARX, 1986; 2000; 2011). A dinâmica de antagonismo cessa somente quando a lógica do domínio de classes em geral deixa de vigorar como sendo a forma da ordem social; somente quando, portanto, deixa de ser necessário apresentar o interesse particular do dominador como sendo interesse geral (MARX; ENGELS, 2002, p.59). Teremos, pois, o tipo ideal “sociedade sem classes” ou o comunismo marxista (MARX, 1986; 2000; 2011), com a universalidade de habitus, campo e capital cultural ou, nos termos próprios, uma universalidade de uma dominação material e espiritual massificada.
Noções de trincheiras de resistências em Castells (1996/2002)
Em teorização mais recente, Manuel Castells (2001; 1996/2002), oferece-nos uma análise sobre o mundo capitalista contemporâneo globalizado, a partir de uma noção central de “sociedade em rede”.
Castells (2001; 1996/2002) concebe essa “sociedade em rede” caracterizada pela globalização das atividades econômicas decisivas do ponto de vista estratégico, bem como por uma revolução da informação e reestruturação do capitalismo, que impõe mudanças rápidas na sociedade, nas coletividades, nos grupos sociais, nos atores sociais, nos movimentos sociais e nos indivíduos, e no Estado-Nação.
Essas transformações têm sido pautadas sob determinantes do capitalismo reestruturado à atualidade e do seu tipo de mercado globalizado – produtivo, especulativo, volátil, sem limites de fronteiras, predatório -, para cujos capitalistas esse mercado deve ser autorregulador e livre das regulamentações do Estado-Nação e do controle social.
Os agentes da nova ordem global, que procuram estabelecer um governo mundial que irá subjugar a soberania de todos os países e de todos os povos, promovem uma homogeneização nas sociedades, nos Estados-Nações, nos processos produtivos e culturais, através de suas “identidades legitimadoras” (CASTELLS, 1996/2002, p.11, prefácio; p.24; p.418) ligadas às instituições dominantes, plasmadas em empresas multinacionais e transnacionais, bancos mundiais e internacionais, organismos de blocos econômicos multinacionais, centros de pesquisas, partidos políticos, intelectuais, parte da sociedade civil representada pelas classes da elite econômica e alguns governos institucionalizados.
A identidade legitimadora é introduzida pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais. [...] A identidade legitimadora dá origem a uma sociedade civil, ou seja, um conjunto de organizações e instituições, bem como uma série de atores sociais estruturados e organizados, que, embora à vezes de modo conflitante, reproduzem a identidade que racionaliza as fontes de dominação estrutural (CASTELLS, 1996/2002, p.24).
Todavia, as identidades particulares subalternizadas, apesar de não imunes aos efeitos dos processos de mudanças aceleradas, tomam lugar de agentes de promoção de recusas, contestações, protestos e resistências ao processo de homogeneização patrocinado pelas forças dominantes da globalização, e também resistem a processos dominantes locais. Os movimentos sociais, especialmente os “novos movimentos sociais[14], os atores sociais e as identidades particulares que formam essas trincheiras de resistências contestam os atuais processos de globalização em prol de suas identidades construídas. Neste pólo de tensão, encontram-se as identidades de resistências” e as “identidades de projetos” (CASTELLS, 1996/2002, p.11, prefácio; p.24; pp.419-427).
A identidade de resistência é criada por atores que se encontram em posições e condições desvalorizadas e/ou estigmatizados pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições [dominantes] da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos [...]; as identidades de resistências podem estar referenciadas em valores tradicionais e também construídas por movimentos ativistas ou em torno destes; [...] recusam e se opõem aos dominantes de sua época e contexto (CASTELLS, 1996/2002, p.24; pp.419-427).
A identidade de projeto, por sua vez, é constituída quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social [...] Neste caso, a construção da identidade consiste em um projeto de uma vida diferente, talvez com base em uma identidade oprimida, porém expandindo-se no sentido da transformação da sociedade como prolongamento desse projeto de identidade [...] (CASTELLS, 1996/2002, p.24; p.26; pp.419-427).
As “identidades de resistências” e as “identidades de projetos” são identidades defensivas e propositivas, baseiam-se na especificidade cultural e no desejo de controle sobre seu próprio destino, combinado com a contestação e resistência em face da dominação e tentativa de homogeneização dos dominadores sintetizados como “identidades legitimadoras”, com expressa negação da dominação imposta (CASTELLS, 1996/2002, passim). De modo incisivo, o autor entende que [...] “a construção social da identidade sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder” [...] – (CASTELLS, 1996/2002, p.24).
Castells (1996/2002) parece-me trazer o elemento mais fortemente distanciado do dogma marxista que asseverou a defesa da classe do proletariado como a única depositária das forças capazes de promoverem as resistências revolucionárias para a derrocada dos dominantes (a burguesia daquela época). Castells (1996/2002), no atual contexto, indica um campo mais amplo para contraposição à classe capitalista hegemônica em voga, a quem chamou os sujeitos coletivos e difusos delimitados nas “identidades de resistência”, “identidades de projeto” e “novos movimentos sociais”.
Castells visualizou dois grandes pólos opostos em frontal antagonismo: os capitalistas burgueses e seus interesses específicos – “as identidades legitimadoras” da dominação -, de um lado; as populações subalternizadas do outro lado, melhor representada por parte da classe trabalhadora organizada em suas antigas formas de organizações, pelos novos movimentos sociais e, enfaticamente, por aqueles segmentos sociais que sempre foram subalternizados, abrigados nas “identidades de resistências”.
Um aspecto teórico pontual comum em Marx e Castells (1996/2002), eu penso, refere-se à noção de que o tipo ideal “dominado” preserva e nutre uma dinâmica prepoderante de recusa, negação, contestação, oposição, resistência em face do tipo ideal “dominador”. Este valor axiológico da resistência não dá lugar à noção de “consentimento”, aceitação, concordância da parte do “dominado” à dominação imposta pelo “dominador”, nem do ponto de vista da dominação material e nem do poder simbólico. Isto nos permite inferir que não é razoável a tentativa de generalização da noção de “consentimento” no interior das relações dominador-e-dominado, nem teoricamente e nem empiricamente, porque aí se encontra a incessante possibilidade de desobediência, rebelião e ruptura em face das contradições do gênero e da espécie.
Contextualizando a temática para dentro das experienciações étnicorraciais empíricas e a produção do pensamento social brasileiro, devemos tomá-la como parte do projeto de colonialismo ocidental-europeu nas Américas plasmado em territórios materiais e simbólicos, de cunho extremamente etnocêntrico e fundamentalista, dentro de cujo projeto civilizatório o escravismo fora alicerce e o racismo estruturante de suas relações sociais e raciais, especialmente em desfavor de povos africanos e afrodescendentes em diáspora[15], mas também populações indígenas locais.
Com o início do colonialismo na América inicia-se não apenas a organização colonial no mundo mas – simultaneamente – a constituição colonial dos saberes, das linguagens, da memória (MIGNOLO, 1995, apud LANDER, 2005, p.26) e do imaginário (QUIJANO, 1992, apud LANDER, 2005, p.26). Dá-se início ao longo processo que culminará nos séculos XVIII e XIX e no qual, pela primeira vez, se organiza a totalidade do tempo e do espaço – todas as culturas, povos e territórios do planeta, presentes e passados – numa grande narrativa universal. Nessa narrativa, a Europa é – ou sempre foi – simultaneamente o centro geográfico e a culminação do movimento temporal. Nesse período moderno primeiro/colonial dão-se os primeiros passos na “articulação das diferenças culturais em hierarquias cronológicas” (MIGNOLO, 1995:xi, apud LANDER, 2005, p.26).
A construção desse projeto civilizatório “tem como pressuposição básica o caráter universal da experiência européia [...] e institui-se uma universalidade radicalmente excludente” (LANDER, 2005, pp.26-27). Nessa perspectiva, processa-se uma filosofia universal, uma história universal e uma narrativa dessa história universal. Ato contínuo, “a história é universal como realização do espírito universal [hegeliano], mas desse espírito universal [hegeliano] não participam igualmente todos os povos” (op cit, p.29).
Nas relações estabelecidas neste cenário, confere-se sujeitos individuais e coletivos com existências tensionadas no tipo de relação “dominador-e-dominado”, para cujas relações foram acionadas várias formas e expressões poder, especialmente a mobilização de poder militar, econômico, físico, cultural, religioso, ideológico, étnico, inclusive o poder simbólico, com os quais o “europeu-dominador” empreendeu controles físicos e espirituais dos “dominados”.
Em tal projeto, seja em sua fase colonial-escravagista, seja em sua fase moderna, populações do continente africano e sua descendência afro-brasileira foram submetidas a um processo de dominação material e a uma violência simbólica brutais. Até os nossos dias atuais, os determinantes do racismo estruturante e o antagonismo étnicorracial são presentes na sociedade brasileira.
No Brasil, não se pode perder de vista que o Estado [ente político formal] e a sociedade – especialmente os segmentos dominantes da sociedade - têm oferecido acontecimentos históricos que testemunham a validação conceitual, sob certas circunstâncias históricas, de operações concretas e simbólicas, do conceito de “raça” a partir de uma noção evolucionista-darwinista, com sérias consequências civilizatórias. Sob o jugo do ideário do colonizador europeu, autodeclarado “branco”, “cristão”, “católico”, “civilizado”, “evoluído”, “puro”, “superior”, etnocêntrico por excelência egoísta, combinado com o ethos do capitalismo (primitivo e contemporâneo/globalizado), os negros, os índios, os judeus, os ciganos e asiáticos – todos não-brancos -, foram considerados da pertença de raças inferiores ou raças infectas (CARNEIRO, 2007; MUNANGA, 2008; SANTOS, 2005; SILVA, 2005).
Ressalte-se, em boa hora, que a Ciência tem oferecido importantes subsídios teóricos, metodológicos e instrumentais, sob a chancela do “cientificamente comprovado”, a serviço de ideologias racistas e totalitárias, especialmente porque as Ciências nunca estiveram isentas das influências e determinações de forças políticas dominantes, face à sua neutralidade impossível. Incluem-se, aí, as noções de “raças” trazidas nas abordagens evolucionistas e no pensamento racial do século XIX, à maneira daquela reproduzida no Brasil por Nina Rodrigues[16].
No trato da especificidade africana no Brasil, Munanga (2008) assinala:
A análise da produção discursiva da elite intelectual brasileira do fim do século XIX ao meado deste deixa claro que se desenvolveu um modelo racista universalista. Ele se caracteriza pela busca de assimilação dos membros dos grupos étnico-raciais diferentes “na raça” e na cultura do segmento étnico dominante da sociedade. Esse modelo supõe a negação absoluta da diferença, ou seja, uma avaliação negativa de qualquer diferença, e sugere no limite um ideal implícito de homogeneidade que deveria se realizar pela miscigenação e pela assimilação cultural. A miscigenação tanto biológica quanto cultural teria, entre outras consequências, a destruição da identidade racial dos grupos dominados, ou seja, o etnocídio. (MUNANGA, 2008, p.103).
O projeto político do branqueamento na sociedade brasileira, concebido pela elite do País como elemento estruturante do Projeto Civilizatório da Nação, pressupunha o desaparecimento das africanidades negras através da mestiçagem e da miscigenação:
[...] O negro puro diminui de número constantemente. Poderá desaparecer em duas ou três gerações, no que se refere aos traços físicos, morais e mentais. Quando tiver desaparecido, estará seu sangue, como elemento apreciável mas de nenhum modo dominante, em cerca de um terço do nosso povo; os dois terços restantes serão brancos puros. [...] E o problema negro terá desaparecido. [...] – (SKIDMORE, Thomas. apud MUNANGA, 2008, p.105)
Em todo o curso histórico, dentro do mais rigoroso escravismo e depois da abolição formal deste, a resistência ao dominador é um componente presente. No tipo ideal da relação entre esses pólos diferentes e antagônicos, não há lugar para sustentar a noção de “consentimento” dos negros africanos e afro-brasileiros perante o tipo ideal eurocêntrico-dominador. O ponto de vista eurocêntrico é um preconceito estruturante e uma espisteme particular determinada, com os quais os africanos e seus descendentes não “consentiram”, não concordaram e recusaram-no com várias formas de protestos, negação e resistências materiais e simbólicas, desde tenra formação colonial da sociedade luso-brasileira.
O sujeito negro africano e afrodescendente sempre foi o inimigo número um da escravidão, resistindo de todas as formas às tentativas de reduzi-lo ao estatuto de mera máquina produtiva. E isto significa que, ao contrário do que disseram e repetiram diversos estudiosos dos problemas brasileiros, os negros foram sujeitos ativos de sua própria história. A luta pela abolição se deu através de uma ampla aliança e de focos diversos, das senzalas a segmentos significativos do Exército, de negros fugidos a grupos abolicionistas, de quilombos ao parlamento, conforme discorre Gilberto Gil na obra “25 anos 1980-2005: Movimento negro no Brasil […]” (GARCIA, 2006, p. 9). Hélio Santos se refere ao movimento negro como sendo o “movimento sociopolítico mais antigo desse país e que se instala na Terra de Santa Cruz ainda no distante século XVI. Consistentemente, continua-se a insistir na luta por cidadania plena – nem mais nem menos -, como se sonhou e viveu por um século em Palmares (GARCIA, 2006, p.17).
Os quilombos constituem a maior, mais antiga e mais conhecida forma de resistência negra empreendida contra o dominador ocidental-europeu e também à sua versão brasileira.
Os trabalhadores feitorizados serviram-se de diversos meios para se opor, de forma consciente, semiconsciente e inconsciente à exploração escravista, destacando-se entre elas a resistência na execução do trabalho; a apropriação de bens por eles produzidos; o justiçamento de escravistas e prepostos; o suicídio; a fuga; o aquilombamento; a revolta; a insurreição. O cativo resistiu ininterruptamente, mesmo quando se acomodava à escravidão. O sujeito escravizado expressava profundo desamor ao escravismo; oposição à escravidão; com o que havia dominância da oposição entre escravizador e escravizado ... (FIABANI, 2005, p.7-14, Apresentação de Mário Maestri).
O quilombo deve ser compreendido como um fenômeno próprio e específico da luta de classe sob o escravismo (MAESTRI, 1988, p.127, apud TESKE, 2010, p.63). Em Oliveira (2003, p.81), o acionamento da identidade étnica afrodescendente e afro-brasileira, no contexto do Brasil contemporâneo, não perde a consciência de que se trata também de luta de classes.
Nos mais de 300 anos que vigorou o sistema escravista no Brasil, o quilombo constituiu um enclave, uma das principais alternativas de negação da produção escravista por parte dos produtores oprimidos. Marcou sua presença e existiu praticamente em toda a extensão do território do Brasil. O quilombo representou uma afirmação da oposição do produtor feitorizado contra o escravismo, produto da singularidade desse tipo de sociedade (FIABANI, 2005, p.23). A sociedade escravista jamais aceitou o fenômeno quilombo. Procurou de todas as formas destruí-lo (FIABANI, 2005, p.25) e a maioria dos escravizados, em tempo algum, conformou-se com o regime do cativeiro (LUNA, [...], apud FIABANI, 2005, p.95). A causa que movia a luta dos quilombolas – a liberdade (FIABANI, 2005, p.76).
Historicamente, “a população dos quilombos não era constituída apenas de escravos fugidos e seus descendentes. Para ali também convergiam outros tipos sociais pressionados pelo avanço europeu” (REIS, 1995, 1996, p.16, apud TESKE, 2010, p.62). Por conseguinte, trata-se de observá-los como processos históricos de resistências aos empreendimentos civilizatórios europeus, de subalternização, escravização e deslocamentos compulsórios de povos africanos e afrodescendentes, com denominações diferentes nas Américas (CARVALHO, 1996). As trincheiras de resistências implicavam em manter aspectos da organização social, religiosidade e cultura, significando: uma rebelião, uma sublevação, uma insurreição (CARVALHO, 1996), ou isolamento e/ou negociação (COSTA, 1999), ou ainda como forma de reconhecer do Estado (ALMEIDA, 1999).
O quilombo constitui questão relevante desde os primeiros focos de resistência dos africanos ao escravismo colonial, reaparece no Brasil-república com a Frente Negra Brasileira (1930/40) e retorna à cena política no final dos anos 70, durante a redemocratização do país. Trata-se, portanto, de uma questão persistente, tendo na atualidade importante dimensão na luta dos afrodescendentes […] (LEITE, 2000, p.333).
Schmitt et al (2002) nos dá conta de uma noção de que as identidades e as territorialidades quilombolas [e afrodescendentes] reivindicam um passado para estabelecer suas ancoragens objetivas e subjetivas, e presentificar esse passado. Não “são” [fixas] na história congelada, mas “estão sendo” nas dinâmicas dos processos socioculturais e históricos, e nas relações de concorrências de poder, dominações e subalternidades.
Estamos, portanto, diante da incorporação de identidades que, em decorrência de eventos históricos, introduzem novas relações de diferença, as quais passam a ser fundamentais na luta dessas populações negras pelo direito de continuar ocupando e transmitindo às gerações vindouras o território conformado por diversas gerações de seus antepassados. Assim, na esteira de Barth[17], podemos pensar as identidades não como sendo fixas, mas, tomando as palavras de Boaventura Souza Santos, como “identificações em curso”, integrantes do processo histórico da modernidade, no qual concorrem velhos e novos processos de recontextualização e de particularização das identidades. Um processo histórico de resistência, deflagrado no passado, é evocado para constituir resistência hoje, praticamente como a reivindicação de uma continuidade desse mesmo processo. A identidade de negro é colocada como uma relação de diferença calcada na subalternidade e na diferença de classes. (SCHMITT et al, 2002, p.4).
Os quilombos se fizeram e se refizeram, e fazem-se hoje, no interior das relações sociais circulantes, inclusive a subalternização imposta e as rupturas postas a estas.
Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com a sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em seus territórios ou, ao menos, em parte deles (SCHMITT et al, 2002, p.6).
Por conseguinte, a noção de consentimento do “dominado” [subalternizado] para com a disposição do “dominador” é imprópria para aplicação nas relações étnicorraciais entre o tipo ideal “branco eurocêntrico colonizador” e/ou o tipo ideal branco racista da elite brasileira dominante atual, com os africanos no Brasil, e seus afrodescendentes, teoricamente e empiricamente, marcadamente com o processo de aquilombamentos e, penso eu – e defendo essa tese – que os africanos no Brasil e o tipo ideal e empírico “afrodescendente/afro-brasileiro” individualmente e em suas várias formas de organizações políticas e sociais nunca consentiram – nem ontem, nem hoje – a dominação do branco.
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PARA CITAR ESTE ARTIGO:

SOUSA, Áureo João de. O poder simbólico e as resistências interétnicas no Brasil: reflexões a partir de Bourdieu, Marx e Castells. Universidade Federal do Piauí – UFPI / Centro de Ciências Humanas e Letras – CCHL / Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Mestrado). Teoria Sociológica II. Teresina, 2014. (artigo para avaliação de desempenho acadêmico).






[1] Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI (Brasil) – 2013-2015; Pós-Graduado [Lato Sensu] em Educação, Culturas e Identidades Afrodescendentes pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, sob promoção e coordenação do Núcleo de Pesquisa sobre Africanidades e Afrodescendência/ÌFARADÁ; Licenciado em Filosofia pela Faculdade Entre Rios do Piauí – FAERPI (Brasil); Poeta e Assuntador.
[2] pensar consiste num tráfico entre símbolos significantes, que seja usado para impor um significado à experiência”. [...] Pensar consiste não nos acontecimentos na cabeça (embora sejam necessários acontecimentos na cabeça e em outros lugares para que ele ocorra), mas num tráfico entre símbolos significantes – qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à experiência (GEERTZ, 2011, p.33, ênfase da citação).
[3] cf.: MARX; ENGELS, 2002, p.56.
[4] cf.: HABERMAS, 2007, p.20. 
[5] cf.: ABBAGNANO,2003, p.615, verbete “Linguagem”.
[6] Refere-se a Ferdinand de Saussure (1857–1913), linguista suíço responsável por antecipar os princípios da ciência linguística do século XX, com sua análise sobre a estrutura da linguagem.
[7] cf.: GHIRALDELLI, 2009.
[8] cf.: ANDRADE, 2003.
[9] cf.: ASSIS, 1994.
[10] Unidades de sobrevivência, aqui, com a noção apostada em A sociedade dos indivíduos: “Mudança na balança Nós-Eu”, de Norbert Elias (1987).
[11] Para Eduardo Socha a violência simbólica configura-se com a adesão dos dominados em um campo. Trata-se da dominação consentida, pela aceitação das regras e crenças partilhadas como se fossem “naturais”, e da incapacidade crítica de reconhecer o caráter arbitrário de tais regras impostas pelas autoridades dominantes de um campo; constitui-se em mecanismo utilizado por quem ou grupo que controla o poder simbólico sobre os outros” (Eduardo Socha, [...], apud PEREIRA, 2013, p.15 ).
[12] Em seus Princípios do comunismo (1847), Engels definiu burguesia como “a classe dos grandes capitalistas que, em todos os países desenvolvidos, detém, hoje em dia, quase que exclusivamente, a propriedade de todos os meios de consumo e das matérias-primas e instrumentos (máquinas e fábricas) necessários à sua produção”. E, em uma nota à edição inglesa de 1888 do Manifesto comunista, como “a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores dos trabalhadores assalariados modernos”. A burguesia, enquanto classe economicamente dominante nesse sentido, que também controla o aparelho de Estado e a produção cultural (CLASSE DOMINANTE), opõe-se a, e está em conflito com, a CLASSE OPERÁRIA, mas, entre essas “duas grandes classes” da sociedade moderna, há “camadas intermediárias e de transição”, que Marx também chamou de CLASSE MÉDIA (Dicionário do Pensamento Marxista, BOTTOMORE, 2001, p.38, verbete “Burguesia).
[13] Por proletariado, entende-se a classe dos trabalhadores assalariados, os quais, não tendo seus meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de trabalho para poderem viver (Nota de Engels à edição inglesa de 1888 apud Marx, 1986, p.81).

[14] Para Manuel Castells, a categoria “novos movimentos sociais” inclui os movimentos de ativistas ambientalistas; movimentos de povos indígenas; mobilizações organizadas de populações atingidas por catástrofes naturais; movimentos de refugiados de conflitos; organizações de imigrantes; organizações referenciadas por orientação sexual; movimentos feministas; movimentos negros e outros movimentos étnicos recentes; organizações de consumidores; mobilizações organizadas de populações sem teto; movimentos dos sem terra; movimentos e organizações ativistas anti-globalização; movimento Passe-Livre; Black Bloc, e outras formas contemporâneas de insurreição à ordem dominante. Mas também podem coexistir novos movimentos em defesa da ordem dominante (CASTELLS 1996/2002).
[15] Em sentido genérico “A diáspora é um movimento populacional descontínuo que tem por efeito a fundação de estabelecimentos separados da população-mãe” (Coleção História Geral da África, 2010, volume V, p.69). Refiro-me aos processos de deslocamentos compulsórios impostos e controlados pelo colonialismo europeu aos povos do continente africano, com o objetivo de estruturar um regime de produção e de sociedade à base da escravização daquelas populações africanas, na Europa e nas Américas (também houve no Oriente Médio e na Ásia), de cujo empreendimento e processo o Brasil (a classe dominante deste) foi patrocinador desde 1500 a 1888, quando se encerra formalmente a escravidão no País. Estima-se, na historiografia brasileira, que entraram no Brasil cerca de seis milhões de negros africanos em condição de escravizados, no período, de um total estimado entre “11 milhões a 15.400.000” ou, ainda, “em termos gerais, a aproximadamente 22 milhões de indivíduos exportados da África negra em direção ao resto do mundo, entre 1500 e 1890” (Coleção História Geral da África, 2010, volume V, pp.98-100). Mas também me refiro aos processos de deslocamentos compulsórios em desfavor da população afrodescendente/afro-brasileira após o ato de abolição de 1888 até os dias atuais, em decorrência das disputas e concorrências pela posse e propriedade da terra, e pela detenção, concentração e uso desta pelo latifúndio. Ademais, refiro-me aos deslocamentos voluntários típicos de processos migratórios, que a população negra afro-brasileira também tem recorrido, no povoamento do Brasil.
[16] Refiro-me à noção evolucionista que postulava que humanos africanos e afrodescendentes – e índios “puros”, mestiços resultantes das interações reprodutivas entre “brancos” e “negros”, e “índios - não dispunham de desenvolvimento biológico (constituição cerebral) e psíquico em nível igualável aos humanos brancos europeus (RODRIGUES, 2006, Apresentação e notas de Yvonne Maggie e Peter Fry). Conferir também em Rodrigues (1894) As Raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil: com um estudo do Professor Afranio Peixoto.
[17] cf. idem: BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In: POUTIGNAT, Philipe; STREIFF-FENART. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. Tradução Elcio Fernandes. 2.ed. São Paulo: Ed. Unesp, 2011, pp.183-227 (Parte II).

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 O PODER SIMBÓLICO E AS RESISTÊNCIAS INTERÉTNICAS NO BRASIL

 



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